Opinião

Visão do Coreio: Paradoxos de um ajuste fiscal

A racionalidade econômica demonstrada pelo Banco Central na última semana contrasta com as contradições que marcaram a semana política em Brasília

A última semana útil em Brasília marcou com clareza a distinção entre política e economia. Enquanto o frágil pacote fiscal do governo federal aprovado pelo Congresso Nacional deixa dúvidas sobre a efetividade no equilíbrio das contas públicas, os dirigentes do Banco Central deram uma diretriz clara de como a autoridade monetária pretende agir nos próximos meses nestes tempos de dólar a R$ 6. 

Na quinta-feira, Gabriel Galípolo e Roberto Campos Neto reforçaram que, em 2025, não hesitarão em fazer o que for necessário para reverter a curva ascendente da inflação. Infelizmente, a medicação será amarga: ao menos duas elevações de mais um ponto percentual na taxa básica de juros, empurrando-a para o 14,25% ao ano. No mercado de juros futuros, já se fala abertamente em uma Selic acima de 15% em 2026.

Juntos em coletiva de imprensa, o atual e o futuro presidente do Banco Central deixaram explícita a mensagem de que a transição na autarquia ocorre em regime de continuidade. As declarações conjuntas dos dirigentes do BC e a unanimidade das últimas decisões do Comitê de Política Monetária reforçam o princípio de que o controle de juros é um processo gradual, com a adoção de critérios técnicos. É isso que se espera de uma política pública: clareza e transparência, de modo a afastar dúvida e desconfiança. 

A racionalidade econômica demonstrada pelo Banco Central contrasta com as contradições que marcaram a semana política em Brasília. Há paradoxos de toda ordem na tumultuada tramitação do ajuste fiscal enviado pelo governo federal ao parlamento. A começar pela própria avaliação dos atores envolvidos no processo. O Congresso reduziu os impactos dos cortes programados pela proposta do governo em diversos pontos, mas integrantes da Esplanada — especialmente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad — insistem em afirmar que o pacote não foi desidratado. Outra narrativa que não se sustenta é a de que o país estaria sob um ataque especulativo — tese derrubada por economistas de credibilidade, dentre os quais Gabriel Galípolo e Henrique Meirelles. Diferentemente do que acusam os petistas, o comportamento do dólar traduz primordialmente a percepção do mercado de que o pacote fiscal do governo Lula é insuficiente. Ponto.

Causa estranheza também o vídeo do presidente da República ao lado de Gabriel Galípolo no Palácio da Alvorada. Por lei, o Banco Central é uma instituição com autonomia para adotar as medidas necessárias ao cumprimento das metas de inflação. É questionável, portanto, a presença do representante de um órgão independente em uma agenda claramente do Executivo. Ademais, não convence Lula afirmar ter "confiança" no trabalho do novo presidente do BC, quando já é notório que o futuro chefe da autoridade monetária seguirá linha semelhante à do antecessor, ferozmente criticado pelo chefe do Planalto nos últimos anos. Galípolo, como exposto durante a semana, tentará fazer um trabalho técnico, gostem ou não Lula e o PT. A mensagem do presidente da República sugere muito mais uma suposta proximidade com o chefe do BC — e, portanto, um inconveniente acesso direto — do que qualquer retórica, por sinal já manifestada diversas vezes, de que o governo tem compromisso fiscal. 

Como já registrado nesta página, se há alguma certeza para 2025, é de que o equilíbrio das contas públicas continuará a ser uma tarefa dificílima para o governo Lula. E que essa dificuldade tenderá a aumentar em um cenário de inflação acima da meta, juros escorchantes, disfuncionalidades na relação entre governo e Congresso quanto ao manejo de recursos da União e fatores externos desestabilizadores, como a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Tudo que o governo Lula puder fazer para tornar o cenário menos nebuloso será bem-vindo.

 

Mais Lidas