Ibaneis Rocha — Governador do Distrito Federal
"O primeiro dever do homem em sociedade é ser útil aos membros dela; e cada um deve, segundo as suas forças físicas ou morais, administrar, em benefício da mesma, os conhecimentos, ou talentos, que a natureza, a arte ou a educação lhe prestou."
Esta oração está estampada na edição do Correio Braziliense de junho de 1808 e foi escrita pelo jornalista Hipólito José da Costa, um humanista libertário resgatado mais tarde pelo não menos visionário Assis Chateaubriand para inspirar e fundar em sua época a maior corporação de imprensa do Brasil, os Diários Associados, que se mantém viva nos dias atuais, cumprindo um papel missionário na defesa da sociedade.
A história dos Diários, que completa 100 anos, se confunde com a de Chateaubriand e, sem exageros, com a própria história do país. Pelo menos com a parte mais transformadora, essencial para entendermos melhor a complexidade dos problemas que continuam presentes nos debates políticos. A iniciativa surgiu num ambiente em que predominava a censura imposta pelas oligarquias nem um pouco inclinadas ao diálogo. Era tempo de revoltas, de marchas e insurreições tenentistas. Nem sequer existia o termo "sociedade civil organizada" num país de costumes ainda predominantemente agrários, porém com o processo de industrialização e urbanização em marcha, a exigir a presença de uma imprensa livre para canalizar as suas aspirações.
É sempre importante rememorar fatos nos quais os Diários desempenharam papéis fundamentais, pois meu medo é que as gerações mais jovens acabem perdendo o poder da memória, tanto a individual quanto a coletiva. Costuma-se dizer que o povo brasileiro não tem heróis no sentido nacional, popular e político do termo — e creio haver uma boa dose de verdade nisso —, porém ignorar os feitos de Chateaubriand em prol de uma nação moderna, interligada com o mundo, é tarefa impossível. A história não admite omissões. Da criação da TV brasileira, em 1950, à expansão das redes de rádios, jornais e revistas, ele foi elemento estimulador para a cultura de massas. Sem Chateaubriand, não existiria o Museu de Arte de São Paulo, o Masp. Nem o Correio Braziliense se tornaria o principal veículo de comunicação da nova Capital da República, em 1960.
Conta-se que, no início, o velho jornalista da Paraíba opunha-se virulentamente à construção de Brasília. Nada que não fosse contornado, era tudo política, e o bom político não faz inimigos. No fundo, assombrava-o a coragem do presidente Juscelino Kubitscheck. Quando finalmente atendeu ao convite para visitar a cidade, em fevereiro de 1960 (antes mesmo da inauguração), o presidente ofereceu um helicóptero ao jornalista para que ele pudesse admirar, em toda a sua extensão, as obras que incluíam também o lago. Era uma manhã chuvosa, e, quando foram almoçar, alegres, tinham as barras das calças salpicadas de lama vermelha. Depois, de jipe, foi conhecer a sede do jornal.
E desde então, ao lado da TV Brasília, o Correio é um sobrevivente, uma espécie de templo de uma época de ouro em que os jornais não precisavam competir com as notícias em tempo real, as mídias sociais on-line e toda a parafernália que inundam nossos celulares. O jornal vive em simbiose com a cidade — mexer com um mexe com o outro. Se as faixas de pedestres funcionaram primeiro em Brasília foi porque a campanha Paz no Trânsito, antes de tudo, tornou-se a marca do jornal naquela ocasião.
A população feminina do DF encontra também em suas páginas um canal para denunciar e lutar contra os resquícios machistas da sociedade. Que bela contribuição e exemplo de como se deve utilizar o saber na defesa das garantias fundamentais dos cidadãos, nas quais estão inseridas as liberdades de expressão e de imprensa. É uma mulher a editora-chefe dessa empreitada diária de defender e de mostrar o sonho de concreto realizado no Planalto Central brasileiro: Ana Dubeux.
O jornal revivido por Chateaubriand continua mobilizando e envolvendo a sociedade, seja criticando e cobrando soluções de problemas, seja também em sucessivas campanhas sociais e educativas voltadas para o desenvolvimento de Brasília. E se usei acima a metáfora do "templo", foi para endossar a história celebrizada por Iphigene Ochs Salzberger, a lendária dama do The New York Times, que comparava o jornal a uma catedral erguida por idealistas de fé. Dizia ela que um viajante encontrou três cortadores de pedras ao longo do caminho. Perguntou ao primeiro o que estava fazendo, e este respondeu: "Cortando pedra". Já o segundo disse: "Estou fazendo uma pedra angular". Mas o terceiro arrematou: "Estou construindo uma catedral".
Em sua centenária história, os Diários Associados reuniram os ideais humanistas presentes no jornalismo para erguer a sua catedral. Diante de seu exemplo, só nos resta, humildemente, saber selecionar as pedras que encontramos no caminho.
Parabéns!
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