Opinião

A saúde mental do homem negro está na pauta?

A construção de subjetividades ligadas a um ideal de masculinidade afeta a saúde mental do homem negro, muitas vezes exigindo que não demonstre emoções consideradas "fracas"

Luciano de Sá — Psicólogo clínico, conselheiro no Conselho Regional de Psicologia do DF, palestrante, supervisor clínico

 "O que é, o que é? Clara e salgada, cabe em um olho e pesa uma tonelada". Esse verso, presente na música Jesus chorou, do grupo de rap Racionais MCs, será o ponto de partida para nossa reflexão sobre a saúde mental do homem negro. Onde se escondem as lágrimas? O que nos faz chorar? O que rouba nossas noites de sono? O que afeta nosso bem viver? 

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), de 2009, visa promover equidade no acesso e na qualidade dos serviços. O racismo continua a ser um grande obstáculo na efetivação. "Pega a visão!". Os movimentos sociais têm pressionado pela importância dessas políticas, resultando em avanços como programas de formação específicos, oferecidos por instituições como Fiocruz, Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (Unasus). Além disso, o Conselho Federal de Psicologia reconhece o impacto do racismo como um estressor crônico que contribui para o sofrimento psíquico, exigindo estratégias que levem em conta essas particularidades.

A construção de subjetividades ligadas a um ideal de masculinidade afeta a saúde mental do homem negro, muitas vezes exigindo que não demonstre emoções consideradas "fracas". Isso pode levar à repressão emocional, isolamento, depressão e ansiedade. Além disso, a falta de oportunidades socioeconômicas e educativas, associada ao racismo, cria obstáculos para atingir padrões de sucesso e estabilidade financeira, gerando sentimentos de inadequação e baixa autoestima. 

"Vou me embora agora/ vou embora para outro planeta/ na velocidade da luz/ ou quem sabe de um cometa/ eu vou solitário/ firme onde a morte me aqueça /talvez assim de uma vez para sempre". Os versos da música Velocidade da luz, do grupo Revelação, trazem um tom de desilusão e desesperança. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostram aumento das taxas de suicídio da população negra de 1991 a 2000. Embora a disponibilidade de dados específicos para esses grupos, durante esse período, seja limitada, estudos e registros indicam tendências que exigem atenção cuidadosa. Entre os anos de 2010 e 2020, os dados indicam tendência crescente nos índices de suicídio na juventude negra, uma situação que é alarmante e aponta para a necessidade de intervenções direcionadas. 

O Atlas da Violência de 2024 revela que 76% das mortes por homicídio são de pessoas negras. Experiências diárias de microagressões geram sofrimento, aumentando níveis de estresse e adoecimento. A estigmatização dos transtornos impede que muitos busquem ajuda. O fundamentalismo religioso de algumas clínicas clandestinas de internação de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias ilícitas agrava a situação quando perpetuam a decadência e as violações de direitos. 

Espaços manicomiais chamados de "comunidades terapêuticas" são verdadeiros antros de perversidade e eliminação de corpos negros. Entre 2020 e 2024, foram fechadas, na região de Goiânia e Anápolis, mais de 26 desses tipos de locais assemelhados a cativeiros, que muitas vezes recebem dinheiro público, recursos que poderiam ser destinados à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), já tão sucateada. 

Um exemplo interessante de espaço de acolhimento e fortalecimento do bem viver é a Roda de Homens Negros, uma roda de conversa que acontece mensalmente em Brasília, em parceria com um empresário que cede o espaço para os encontros. Os temas e datas são divulgados no Instagram @rodadehomensnegros. 

As rodas possibilitam ambiente favorável para o aquilombamento. Esses encontros, organizados em círculos de diálogo e troca, promovem oportunidade de escuta, empatia e solidariedade, essenciais para estabelecer segurança emocional, social, acolhendo nossas pulsões palmarinas. Os manos podem compartilhar vivências, desafios e emoções sem medo de julgamento. Isso é potente, pois vivemos em uma sociedade  onde o racismo e a masculinidade tóxica impedem a expressão autêntica. 

O interesse genuíno e respeito permitem que os participantes sintam suas experiências validadas e compreendidas. Isso ajuda a reduzir o sentimento de isolamento e desamparo, promovendo sensação de pertencimento, construção afetiva e irmandade. Esses laços são fundamentais para o apoio mútuo e solidariedade, criando uma rede de suporte que se estende para além dos encontros e viabilizam caminhos para o bem viver de homens negros, com mais saúde mental.

 

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