SERGIO MORI — Delegado da Polícia Federal, chefe da Divisão de Repressão a Crimes Fazendários da PF
Ao longo das últimas duas décadas, o contrabando no Brasil passou por transformações significativas. A experiência acumulada no enfrentamento do crime revelou uma mudança tanto nos produtos mais visados quanto nas estratégias utilizadas pelos criminosos.
Para um combate mais eficaz ao contrabando, é essencial reduzir os proveitos econômicos dos infratores. É o princípio da "descapitalização", que consiste em enfraquecer financeiramente organizações criminosas, dificultando suas operações. A apreensão de produtos ilícitos, como cigarros contrabandeados, bem como ativos adquiridos a partir dessa atividade delituosa, atinge em cheio o financiamento dos grupos criminosos, reduzindo sua capacidade de aportar recursos em outras atividades ilegais. Assim, a descapitalização se torna uma ferramenta poderosa para desarticular redes criminosas e enfraquecer a influência que exercem sobre o mercado ilegal.
Os cigarros ilícitos continuam sendo um dos maiores desafios no combate ao contrabando. Além da grande demanda do mercado, eles são impulsionados por organizações criminosas que encontram nessas atividades uma fonte constante de recursos. Tradicionalmente, os contrabandistas buscam no Paraguai os cigarros que vendem no mercado brasileiro. O país vizinho possui uma indústria tabagista vigorosa que tem os consumidores brasileiros como grande mercado.
Nos últimos anos, a intensificação da fiscalização por parte da Polícia Federal (PF) e de outros órgãos públicos gerou resultados significativos, comprovados pelo aumento de apreensões em rotas tradicionais, tanto rodoviárias quanto fluviais. No entanto, os criminosos têm diversificado suas estratégias, explorando novas rotas de entrada no Brasil. Entre elas, destaca-se a via marítima, que tem se tornado cada vez mais relevante para o transporte de cigarros ilegais. Essa rota atende, especialmente, às regiões Norte e Nordeste do país, onde a fiscalização enfrenta desafios logísticos.
Além das rotas de contrabando, a fabricação clandestina de cigarros dentro do Brasil tem crescido de forma preocupante. Seja por meio de indústrias autorizadas, que produzem de forma irregular sem o devido recolhimento de tributos (chamadas devedoras contumazes), seja por meio de fábricas clandestinas, que operam de forma totalmente ilegal e muitas vezes imitam as marcas paraguaias, numa tentativa de abocanhar o espaço conquistado pelos contrabandistas.
Desde que esse fenômeno foi identificado no final da primeira década deste século, o número de fábricas fechadas multiplicou-se. Entre os anos de 2007 e 2024, operações das polícias Federal, Civil ou Militar, com apoio da Receita Federal e Receitas Estaduais, fecharam mais de 30 fábricas ilegais. Sete delas apenas neste ano. O problema representa um grande prejuízo para o Brasil. Além do evidente impacto na arrecadação de tributos, há um rastro de delitos colaterais, como a exploração de mão de obra em condição análoga à escravidão, formação de organizações criminosas, ameaça contra concorrentes, lavagem de dinheiro etc.
Outro ponto importante a ser destacado é que, muitas vezes, o contrabando não é visto como uma ameaça à sociedade. No entanto, essa percepção ignora a ligação direta entre o comércio ilegal e a atuação de grupos criminosos violentos que dominam territórios e não hesitam em explorar outras atividades delituosas.
Além disso, observa-se uma diversificação nos produtos contrabandeados. A crescente demanda por cigarros eletrônicos, especialmente entre jovens, evidencia como o mercado ilegal se adapta rapidamente às novas tendências de consumo. Proibidos no Brasil, esses produtos são altamente lucrativos e fáceis de transportar, oferecendo novas oportunidades para os contrabandistas.
Em síntese, é preciso enfrentar o contrabando de forma multifatorial, com investimento em fiscalização, aplicação de medidas que tornem o crime menos atrativo financeiramente ao mesmo tempo em que reduzam a demanda pelas mercadorias ilícitas. A colaboração entre governo, os órgãos de segurança pública e a sociedade é o caminho mais eficaz para proteger o consumidor brasileiro e enfraquecer as estruturas do crime organizado. Sem medidas integradas, o contrabando continuará evoluindo, explorando as vulnerabilidades do sistema e comprometendo a arrecadação e, principalmente, a segurança dos brasileiros.