André Gustavo Stumpf*
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou de surpresa a Montevidéu para participar da reunião dos países do Mercosul. A viagem da líder europeia à América do Sul indicou que a novela do acordo entre União Europeia (UE) e Mercosul estaria perto do fim, após 25 anos de discussões.
"Touchdown na América Latina. A linha de chegada do acordo UE-Mercosul está próxima. Vamos trabalhar, vamos atravessá-la. Temos a chance de criar um mercado de 700 milhões de pessoas. A maior parceria comercial e de investimento que o mundo já viu", escreveu Von der Leyen, nas redes sociais, depois de chegar à capital do Uruguai. Anunciar o acordo, no entanto, não garante que o tratado se tornará realidade, mas é uma jogada política destinada a pressionar os países resistentes a não oferecer maior oposição.
O governo brasileiro trabalhou nos últimos dias com essa possibilidade. Até quarta-feira passada, no entanto, estava pendente a confirmação da viagem da líder da UE para participar do encontro. Depois do anúncio da conclusão, o texto final passará por revisões e entra em fase de tradução para 23 idiomas. Só depois disso, será assinado. A partir daí, precisa ser aprovado pelo Conselho Europeu e, ainda, pelo Parlamento Europeu. É onde a França e países opositores podem tentar bloquear o seu avanço.
Entre os governos opositores na UE, o mais incisivo é o da França, que conta com o apoio da Polônia. O governo francês tenta convencer Holanda, Áustria e Itália a se juntar em oposição ao texto e bloquear a aprovação do acordo. A França, no entanto, está em meio a uma crise política doméstica. Na última quarta-feira, deputados franceses derrubaram o governo do primeiro-ministro conservador, Michel Barnier, após aprovarem uma moção de censura. A coalizão favorável ao acordo, na Europa, é liderada pela Alemanha e pela Espanha.
Depois da aprovação pelo Parlamento Europeu, os países-membros ainda precisam ratificar partes do acordo através dos seus parlamentos. O cronograma do acordo, no entanto, no que tange à parte comercial, já passa a valer após o voto favorável do Parlamento Europeu. No caso do setor de automóveis, por exemplo, a queda progressiva até a tarifa zero se dará ao longo de 15 anos. Esse prazo começará a correr a partir da aprovação pelo Parlamento Europeu.
Anunciar o acordo e não chegar ao final já aconteceu antes. Em junho de 2019, os dois blocos regionais anunciaram a conclusão do acordo, que começou a ser negociado em 1999. Mas, nos últimos cinco anos, o texto nunca chegou a ser assinado. A conclusão completa do texto e o processo para sua implementação ficaram travados. Isso porque a opinião pública europeia era crítica ao governo Bolsonaro em razão dos altos índices de desmatamento da Amazônia.
No governo Lula, os debates foram retomados. Em março daquele ano, os europeus enviaram ao Mercosul um protocolo adicional para ser incluído no texto, com mais condicionantes de proteção ambiental. O Brasil achou o novo pedido injusto, mas aproveitou para reabrir as negociações, além do que fora solicitado pelos europeus, para emplacar mudanças com relação às compras governamentais.
Entre agosto de 2023 e o final de novembro de 2024, foram feitas sete rodadas de negociações em Brasília. O novo texto, acordado pelos negociadores na semana passada, é mantido sob sigilo. Foram feitos ajustes nas seções ambiental e de compras públicas.
O acordo Mercosul-União Europeia é um tratado com negociações concluídas em junho de 2019, que foi totalmente revisado nos últimos cinco anos. Ele foi negociado para regular o diálogo político, a cooperação e práticas de livre comércio. A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Mercosul. O acordo cria um mercado potencial de US$ 22 trilhões, o que abre enorme perspectiva comercial para sul-americanos e europeus. Representa um quarto (25%) do Produto Interno Bruto (PIB) do globo e engloba 750 milhões de pessoas.
As difíceis negociações envolvem diversas áreas, como marcos regulatórios, tarifas alfandegárias, regras sanitárias, propriedade intelectual e compras públicas. Empresas brasileiras poderão, por exemplo, participar de licitações no bloco europeu. É difícil colocar todos os países da União Europeia de acordo com o tratado de livre comércio. Os franceses têm receio da concorrência com produtos agrícolas brasileiros e argentinos, que são melhores e mais baratos. Mas, no momento, com a guerra na Ucrânia, o crescente poder russo, a ascensão comercial da China e a política de Donald Trump, a saída para o sul parece ser o caminho mais viável para os europeus. E o Mercosul precisa ser arejado para admitir novos e melhores parceiros. Ao que parece, todos ganham.
*Jornalista