Ernesto Martins Faria*
Foram divulgados, nesta quarta-feira, os resultados do Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS, na sigla em inglês), conduzido pela Associação Internacional para a Avaliação do Desempenho Educacional (IEA), que também realiza o Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS), outra avaliação internacional de grande credibilidade. Os resultados mostram como a matemática é a disciplina com mais desafios no país, pelo menos em comparação a ciências e leitura. Mas, mais do que o resultado ruim, algo chama ainda mais atenção: o alto percentual de estudantes brasileiros que não conseguiu fazer a prova.
Na divulgação da IEA, os resultados do Brasil aparecem com uma nota de rodapé, que diz: "Reservations about reliability because the percentage of students with achievement too low for estimation exceeds 15%". Traduzindo, esse texto diz que há uma parcela de estudantes com desempenho tão baixo que não é possível saber a situação de aprendizagem deles. Nos apêndices do estudo, há mais informações sobre esse dado: é sinalizado que 16% dos alunos brasileiros do 4º ano e 18% dos alunos do 8º ano tiveram desempenho igual ou menor do que o esperado por um aluno que chutasse todos os itens de múltipla escolha. O texto indica também que 5%, entre todos os alunos brasileiros que fizeram a prova, erraram todas as questões. Ou seja, são alunos que mesmo quando chutaram sempre erraram.
Para esses resultados existem duas hipóteses: a) ou todos os itens da prova são muito difíceis para um percentual significativo de alunos brasileiros; ou b) uma parcela relevante dos estudantes não se engajou com a prova, a fez de qualquer forma e no menor tempo possível. A comparação com o desempenho em ciências sugere que a explicação vai além da falta de engajamento. Em ciências, embora também haja dificuldades, 9% dos alunos do 4º ano e 6% dos alunos do 8º ano tiveram desempenho igual ou inferior ao que teriam se tivessem chutado todas as questões da prova. Percentuais altos, mas bem menores que os de matemática.
O alto percentual de alunos que não conseguiu fazer a prova preocupou tanto a IEA que fez do Brasil o único país sem a apresentação dos resultados por subcompetências e domínio cognitivo para matemática no 4º ano. E um dos três países para o 8º ano, junto com Palestina e Costa do Marfim. Isso significa que, enquanto quase todos os países participantes têm também suas estimativas para álgebra, números, geometria e dados e probabilidade, o Brasil só tem a média geral de matemática, com a ressalva de problema de medida. Marrocos, Arábia Saudita e Uzbequistão, entre outros países subdesenvolvidos, não tiveram problemas na magnitude do Brasil.
Esse panorama, de uma avaliação internacional consolidada ser aparentemente tão difícil para os estudantes brasileiros, é um alerta muito grande para nosso ensino de matemática. Já sabíamos que estaríamos muito atrás em relação aos países desenvolvidos, mas estamos mal até mesmo em relação a alguns países da África, que enfrentam muitos desafios na educação.
Os dados do TIMSS mostram o fracasso na garantia de um letramento matemático, já que muitos alunos de 9 e 10 anos de idade não conseguem fazer operações matemáticas simples, envolvendo adição, subtração, multiplicação e divisão. Os dados mostram que é urgente a disciplina ganhar prioridade na agenda educacional do país. Nesse sentido, é positiva a elaboração da Política Nacional para Fortalecimento do Ensino de Matemática, pelo Ministério da Educação (MEC).
O que é preciso ter no radar é que os desafios são grandes. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) divulgou as estimativas por estado, que ilustram a dificuldade do país em promover equidade. As escolas rurais tiveram médias muito abaixo da média das urbanas e os estados do Norte/Nordeste muito abaixo do Sul/Sudeste. Ainda que existam experiências exitosas no país em contextos vulneráveis, não se vê transformação em escala. Nem mesmo no Ceará, que ficou longe de se destacar na avaliação do 4º ano da forma que se destaca no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do 5º ano.
É importante que as políticas públicas em educação, voltadas ao ensino e à aprendizagem de matemática, tenham dois olhares principais: equidade e aprofundamento pedagógico. O olhar da equidade deve visar o combate ao "analfabetismo matemático". Já o olhar pedagógico tem que priorizar o investimento na formação de professores, para que estes tenham um bom repertório matemático. Esse é o caminho a seguir. Por mais que o Saeb tenha dado muitas contribuições, o monitoramento e práticas de gestão, sem transformação pedagógica, não resolverão o grave problema da matemática no país.
*Diretor-fundador do Interdisciplinaridade eEvidências no Debate Educacional (Iede)