Opinião

A simplicidade da paz

Tantos conflitos no mundo teriam um fim se os atores envolvidos não priorizassem apenas interesses próprios e pensassem mais no coletivo. O planeta carece de simplicidade

Dia desses, presenciei uma cena que tocou-me profundamente. Um mendigo, deitado sobre o que restou de um colchão, sob a marquise de um bar, em Águas Claras, brincava com o seu cão. O animalzinho, quase raquítico, abanava o rabo sem parar. O mendigo encontrou um sorriso, trazido pelo pequeno e único amigo. A solidão deixou de ser companheira dele há tempos. De repente, o mendigo começou a mexer os braços, efusivamente, acompanhando os movimentos do cãozinho, que respondia de forma animada. O mendigo, abandonado pelo mundo, parecia ter ali o seu próprio mundo.

Muitas vezes, a beleza está na própria simplicidade. Em um mundo repleto de guerras, de injustiça e de ódio, o simples tantas vezes define a felicidade. O mendigo da cena descrita tinha quase nada. E parecia ter tudo, ao mesmo tempo. Um amigo fiel, leal, que o ama e não o despreza por sua condição social ou econômica. Ao contrário de tantos ricos (de dinheiro) e pobres (de alma), que subjugam, desprezam, humilham o próximo.

Aliás, o mundo vive uma inversão de valores. Idolatra figuras autoritárias e faz pouco caso da democracia. Alguns chegam a cultuar a figura nefasta de Adolf Hitler, oito décadas depois do suicídio do líder nazista, e a fomentar o neonazismo — uma espécie de ressurgimento da ideologia hitleriana. Sem levar em conta que o chanceler do Terceiro Reich assassinou 6 milhões de judeus. Como se a população do Plano Piloto tivesse sido dizimada nada menos do que 26 vezes.

Em vez de fomentarem o bem-estar social e a paz, algumas lideranças do planeta insistem em semear a guerra, não raras vezes movidos pela xenofobia, pela sanha expansionista ou por um estranho senso narcisístico e egocêntrico. Querem impor-se pela força militar e chegam a lançar uma chantagem nuclear: ameaçam usar armas atômicas, como se fossem brinquedos de guerra, e ignoram que tal arsenal não foi utilizado durante os últimos 80 anos.

Como iniciei este artigo, penso que a paz esteja na simplicidade. O cachorrinho, feliz e amigo, aos olhos do mendigo. O sorriso de uma criança. Um "eu te amo" dito por um filho, por uma esposa ou um marido. O cheiro da terra molhada, depois da chuva farta. O barulho de uma cachoeira ou um banho gelado em meio à natureza. Um sorvete em dia de calor. Garapa com pastel. Pizza em família. Tarde de cinema e pipoca. Passeio pelo jardim.

No contexto das relações internacionais, a paz está na disposição de fazer concessões difíceis, porém, necessárias. Tantos conflitos no mundo teriam um fim se os atores envolvidos não priorizassem apenas interesses próprios e pensassem mais no coletivo. O planeta carece de simplicidade.

 

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