Guilherme Vinhas*, Amanda Cruz**, Leonardo Campos Filho***
Em 1º de novembro de 1755, um intenso terremoto atingiu Lisboa, destruindo a maioria de seus edifícios, ruas e praças. Simultaneamente, surgiram inúmeros incêndios. O palácio real desmoronou. D. José I e a sua família sobreviveram porque, nesse dia, estavam no palácio de Belém. Das 40 igrejas de Lisboa, 35 desabaram. Só 3 mil casas permaneceram habitáveis, das 20 mil existentes na época. Cerca de 60 minutos após os abalos, um tsunami atingiu as margens do Rio Tejo, causando a morte de pessoas que buscavam se afastar dos incêndios e desabamentos. O terremoto transformou em cinzas e escombros uma das mais ricas e opulentas cidades do século 18.
A destruição de Lisboa teve um impacto econômico profundo. A infraestrutura da cidade precisou ser reconstruída. Sebastião José de Carvalho e Melo, então secretário de governo do rei D. José I e, posteriormente, conhecido como marquês de Pombal recebeu autoridade total da Coroa para agir e enfrentar as consequências do terremoto. O secretário, com seu time de engenheiros e arquitetos, planejou e executou medidas que se mostraram eficazes para mitigar as consequências do evento.
Primeiro, foram feitos o resgate e a assistência aos feridos e desabrigados, e, em seguida, foram combatidos os focos de incêndio que sucederam o terremoto. Passados os momentos iniciais, a capital do reino português foi reconstruída com um novo plano urbano, que incluía um sistema de drenagem para evitar enchentes. Introduziu-se nos edifícios novos uma estrutura de madeira que tinha o objetivo de reduzir o risco de desabamento por novos terremotos. Pombal organizou, ainda, as fontes de recursos para a reconstrução. Em que pesem as críticas de seus opositores, ao fim, Lisboa se tornou uma cidade mais resiliente e segura para seus moradores.
Apesar dos 269 anos que nos separam do terremoto de Lisboa, a resposta organizada pelo marquês deveria inspirar os atuais governos. Conforme os reiterados alertas dos cientistas, eventos extremos serão mais frequentes e intensos em decorrência das mudanças climáticas. De fato, já vivenciamos essa nova realidade, como demonstram as terríveis enchentes que destruíram mais de 400 municípios no Rio Grande do Sul em maio passado. Os incêndios que assolaram o Brasil meses depois, em boa parte decorrentes de seca aguda, afetaram a economia e a saúde das pessoas. Sem dúvida, não podemos contar com a providência ou a sorte, que o reino português teve ao apostar na diligência do marquês de Pombal para lidar com eventos extremos. O processo e as medidas devem estar fortemente imersos nas atribuições de entes públicos e ancorados em lei.
Em junho de 2024, foi promulgada a Lei nº 14.904, que estabelece diretrizes para a elaboração de planos de adaptação às mudanças do clima, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade das cidades brasileiras. A lei tem méritos ao incluir a gestão do risco climático nas políticas públicas, bem como nas estratégias de desenvolvimento municipal, estadual, regional e nacional.
Entretanto, ela não estabelece prazo para a elaboração e a implementação dos planos de adaptação. E tal fragilidade se torna mais grave quando a sua execução é lastreada nos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e nos instrumentos previstos na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
O Sisnama é composto por entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como por fundações instituídas pelo Poder Público. Por sua vez, a gestão da PNMC é realizada por um comitê interministerial, o que torna ineficiente a governança da política climática brasileira, como já identificado por diversos órgãos de controle. O problema pode ser endereçado com a indicação de um órgão da Administração para centralizar e orientar a execução da Lei.
Nesse contexto, a anunciada criação da Autoridade Climática é uma boa notícia, se couber a ela executar a PNMC transversalmente aos ministérios do governo federal, o que incluirá a elaboração e a implementação dos planos de adaptação. A Autoridade, com um desenho institucional adequado, representará um avanço na governança climática do país.
Se atualmente não há espaço para o absolutismo pombalino, o senso de urgência e responsabilidade por ele assumido diante dos efeitos do terremoto é um notável exemplo a ser seguido por gestores públicos para que não fiquemos à mercê do acaso ou da providência divina. A centralização da governança do clima em um único órgão da Administração Pública será o primeiro passo nessa direção.
*Advogado especializado em transição energética e mudanças climáticas
**Historiadora e mestre em história
***Economista