Opinião

Deficit de confiança

Foi um erro estratégico do governo dar ênfase ao papel fiscal do corte para equilibrar as finanças sem cuidar do papel mais importante: consolidar a confiança

Cristovam Buarque* 

Em artigo publicado neste jornal, Luiz Carlos Azedo diz que o presidente Lula aproveitou o pacote de corte de gastos para passar a ideia de ser Robin Hood, cobrando mais imposto de renda de quem recebe acima de R$ 50 mil e isentando quem recebe abaixo de R$ 5 mil por mês. A opção demonstra compromisso moral e social do presidente, mas foi equivocada ao apresentá-la na proposta que visava demonstrar seriedade fiscal. Ainda pior, o presidente ignorou que o corte de gastos não tinha função de apenas equilibrar as contas, mas sobretudo de fortalecer um fator fundamental nas economias nacionais contemporâneas: a confiança de agentes econômicos — consumidores, investidores, produtores, distribuidores, poupadores —, simplificadamente chamado de mercado. 

O deficit fiscal indica o grave problema de falta de recursos para cobrir gastos do Tesouro com os compromissos para fazer funcionar a máquina estatal, mas isso pode ser superado momentaneamente com empréstimos, emissões de moeda ou até com pedaladas que jogam o problema agravado para o futuro. Mas a falta de confiança dos agentes econômicos paralisa a economia. Por isso, o governo precisava agir para recuperar a confiança. Lamentavelmente, os políticos próximos ao presidente ainda não entendem que a economia do século 21 tem mais do que os três fatores fundamentais de antigamente — trabalho, capital e recursos naturais. Agora, tem também tecnologia, inovação, educação e confiança.

Nossa economia padece da escassez de quase todos os recursos, mas a falta de credibilidade nas instituições políticas, no marco jurídico, na intervenção governamental e na capacidade de financiamento público afugenta investimentos de médio e longo prazo, adia empreendimentos, aumenta taxa de juros, inflação e desemprego. A escassez de confiança impede o bom funcionamento do sistema econômico e dificulta mobilizar os demais fatores, como inovação, tecnologia, capital, recursos naturais que podem ser obtidos no mundo, quando há confiança.

Foi um erro estratégico dar ênfase ao papel fiscal do corte para equilibrar as finanças sem cuidar do papel mais importante — consolidar a confiança —, e ainda maior erro querer atender às expectativas eleitorais, especialmente do entorno político do candidato em 2026, passando a ideia de Robin Hood. Com isso, impediu a volta do fator confiança e ainda abalou a credibilidade do principal avalista do realismo econômico, o ministro Haddad, que faz parte dos economistas sensíveis socialmente, comprometidos e responsáveis com a realidade. 

Mesmo sendo correto, moral e socialmente, e supondo que o aumento na receita vinda dos que recebem R$ 50 mil seja aprovada no Congresso e compense a perda pela isenção dos que recebem até R$ 5 mil, a apresentação das duas medidas juntas depredou o papel fundamental de aumentar a confiança dos agentes econômicos. O governo agiu de forma fiscalista e não estratégica, o que fica claro ao trazer de volta o apresentado termo "pacote", aposentado desde o início do Real e que depreda a credibilidade porque passa a ideia de provisório e impositivo, sem respeitar a realidade econômica.

Mas o momento cronológico não foi o único erro do pacote Robin Hood, houve um erro no momento histórico. O Robin Hood do século 12 tirava bens e dinheiro dos ricos para os pobres. Já o Robin Hood do século 21 precisa levar as crianças dos pobres para a escola dos ricos. Esse seria o caminho para cumprir o papel moral do governo, porque os mais pobres não se beneficiarão da isenção entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil, e esse benefício para a classe média baixa será conjuntural e financeiro, não estrutural e permanente, como seria com uma política de Robin Hood educacional.

Para não corroer o propósito do pacote de confiança, o governo deveria ter aceitado a visão do ministro Haddad e apresentado isenção quando pudesse mostrar resultados positivos do equilíbrio fiscal. Deveria também retomar o programa que iniciou em 2003 chamado Escola Ideal, pelo qual faria o papel do Robin Hood do século 21, oferecendo escola com qualidade federal para todas as crianças. Hoje, o programa deveria ser por cidades — Cidades com Educação Federal — implantadas estrategicamente em ritmo que não afetasse o equilíbrio fiscal. 

Está havendo deficit de pensamento estrutural no governo, capaz de pensar estrategicamente; e deficit de comunicação eficiente, capaz de falar o que é preciso, dizer a todos e não apenas à bolha dos apoiadores no curto prazo, em busca de eleitores que logo se afastarão se a economia não reagir bem.

 *Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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