MEIO AMBIENTE

Novo Marco Legal do Mercado de Carbono no Brasil

É um passo crucial na busca por incentivos que visam reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e mitigar o impacto também decorrente das atividades das empresas sobre o clima

A regulamentação do mercado de carbono era uma questão de suma relevância para que o país possa atingir metas ambientais, alinhando-se aos compromissos internacionais -  (crédito: Maurenilson Freire)
A regulamentação do mercado de carbono era uma questão de suma relevância para que o país possa atingir metas ambientais, alinhando-se aos compromissos internacionais - (crédito: Maurenilson Freire)

RICARDO P. ROCHA NETO — Sócio-fundador Abe Advogados e mestre em direitos difusos e coletivos (PUC/SP)

As mudanças climáticas configuram notória situação emergencial que representa preocupação coletiva com as consequências das tragédias que o Brasil e o resto do mundo vêm enfrentando. A aprovação do Projeto de Lei nº 182/2024, sancionado e que culminou na Lei 15.042/2024, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil é um passo crucial na busca por incentivos que visam reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e mitigar o impacto também decorrente das atividades das empresas sobre o clima.

A regulamentação do mercado de carbono era uma questão de suma relevância para que o país possa atingir metas ambientais, alinhando-se aos compromissos internacionais, como os estabelecidos no Acordo de Paris de 2015. Ao estabelecer um ambiente regulatório para a negociação de créditos de carbono, o Brasil busca não apenas cumprir suas obrigações globais, mas também fomentar práticas ambientalmente responsáveis no setor empresarial.

No âmbito do chamado mercado voluntário do carbono no país, que vinha sendo integrado e exercido por empresas de diferentes setores, não havia uma obrigatoriedade legal na descarbonização ou no controle das emissões. Nem mesmo havia punições impostas por autoridades governamentais para empresas que descumprissem suas obrigações estabelecidas em âmbito privado, embora pudessem provocar disputas contratuais e ações judiciais, ou mesmo arbitragens por eventuais inadimplementos de quaisquer das partes, até mesmo por situações de omissões propositais ou inconsistências de informações ou mesmo fraudes ("greenwashing").

Fora do mercado regulado, as empresas compensam suas emissões de forma voluntária, muitas vezes, por se inserirem em práticas e programas ESG, ou vislumbrando perspectivas de inovação com a inserção de tecnologias mais limpas e eficientes, melhora de produtividade e retorno financeiro efetivo com esse promissor sistema de comércio de emissões, a depender da natureza e características do projeto, bem como a regularidade da propriedade onde será desenvolvido, entre outros aspectos.

Essa iniciativa das empresas passa a ser fortalecida e permear um ambiente de maior segurança jurídica e governança com a chegada de um novo modelo regulatório do mercado de carbono no Brasil, o que não parece ter sido prioridade nos governos brasileiros, a não ser quando pressionados pela agenda internacional.

De fato, estamos há menos de um ano da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém. Assim, finalmente, após uma trajetória de impasses no passado entre o Senado e a Câmara dos Deputados, até mesmo envolvendo a autoria do projeto, ele finalmente veio a ser sancionado pelo presidente da República em 12 de dezembro de 2024, pouco tempo depois da COP29, em Baku, capital do Azerbaijão.  

Fator incontestável que a economia de baixo carbono representa para o Brasil um grande potencial de aumento de produtividade e vantagens comparativas, considerando nossa extensa área de florestas ainda preservada, além do potencial em termos de abertura de mercados internacionais e em ganho de protagonismo.

Cabe ao poder público instituir políticas públicas que orientem a redução do impacto ambiental das atividades econômicas e incentivem a inovação, que favoreça a atração de relevantes investimentos e o desenvolvimento de soluções verdadeiramente sustentáveis para o crescimento econômico nacional. Dentro desse modelo e lógica de comércio de emissões da espécie cap and trade (limite e comércio)  adotado neste novo marco legal, similar ao que foi preconizado na Europa, a inserção de um mecanismo de mercado de precificação de carbono no Brasil caracteriza, nesse sentido, um dos principais instrumentos regulatórios na quase obrigatória transição para uma economia de baixo carbono, se realmente queremos evitar o agravamento da tragédia climática.  É uma oportunidade do Brasil, que é uma potência energética, climática e agrícola, assim como das empresas nacionais, assumirem uma posição de protagonistas nesse tema, onde há uma vocação natural.

Para o chamado setor regulado, o texto da nova Lei nº15.042/24, prevê a criação de um órgão gestor responsável por criar normas e aplicar sanções a infrações cometidas pelas entidades que estarão sujeitas às suas disposições.  Será a hipótese das próprias iniciativas governamentais ou de empresas que emitam mais de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por ano. 

O CO2 equivalente é uma medida empregada para comparar as emissões de diferentes gases de efeito estufa (GEE), que leva em consideração o potencial de aquecimento global de cada substância e representa o total em quantidade de gás carbônico que teria o mesmo potencial. 

Os operadores sujeitos à regulação deverão fornecer plano de monitoramento e relatórios das atividades ao órgão gestor. O operador submeterá, anualmente, ao órgão gestor do  Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) relato de emissões e remoções de GEE, conforme plano de monitoramento aprovado, observados os modelos, os prazos e os procedimentos previstos em regulação do órgão gestor do SBCE, que ainda será efetivada.

O mercado regulado de títulos será implantado de forma gradativa ao longo de seis anos. Esse mercado permitirá a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e de   Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE).

Apesar de ser um relevante emissor de GEE, o setor do agronegócio (porteira para dentro, ou seja, em sua atividade primária), não ficou submetido ao cumprimento das obrigações do mercado regulado, a exemplo do que ocorre em outros países, muitos deles  desenvolvidos. Porém, o agronegócio poderá se beneficiar desse mercado, por meio de diversos projetos relacionados à economia de baixo carbono, seja na agricultura regenerativa, Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), ou na pecuária sustentável, que vem desenvolvendo diferentes iniciativas no mercado voluntário nessas e em outras direções inovadoras.

Por fim, vale ressaltar a importância que advirá, em termos de expansão de oportunidades e com efeitos muito benéficos no foco da sustentabilidade ambiental, equidade climática e competitividade econômica, quanto à existência de uma convivência e interoperabilidade efetiva entre o mercado regulado e o voluntário de créditos de carbono que decorre da nova lei, o que torna ainda mais promissor esse mercado regulado que vinha sendo tão aguardado, ressalvado o desafio de preservar-se sempre as necessárias transparência, previsibilidade e segurança jurídica para todos os envolvidos. 

 


Correio Braziliense
postado em 31/12/2024 06:00
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