Artigo

Biblioteca Demonstrativa: projeto a serviço da inclusão pela literatura

Temos a ambição que as paredes da biblioteca sirvam só para segurar o telhado e que, em todo o resto, ela seja aberta, comunicativa, uma janela, enfim, para ver o mundo e vendo-o experimentar, pensá-lo de outra maneira para o mudar para melhor

02/07/2013. Crédito: Camila Brunca/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Guia de férias do Super!. João Guilherme Holanda (azul), 10 anos, e Eduardo Monteiro, 7 anos, visitam a gibiteca da Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles. -  (crédito: Camila Brunca/CB/D.A Press)
02/07/2013. Crédito: Camila Brunca/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Guia de férias do Super!. João Guilherme Holanda (azul), 10 anos, e Eduardo Monteiro, 7 anos, visitam a gibiteca da Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles. - (crédito: Camila Brunca/CB/D.A Press)

DAVID RODRIGUES — Curador da Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles

Desde janeiro de 2024, a programação cultural da Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles, em Brasília, é realizada por meio do Termo de Colaboração nº 950.548/2023, celebrado entre o Ministério da Cultura, por meio da Secretaria de Formação Cultural, Livro e Leitura (Sefli), e o Instituto Incluir. A realização de um projeto desse tipo (iniciado neste ano se estenderá até  2025) suscitou um conjunto de questões que precisavam ser respondidas na partida para as práticas que mais tarde viessem a concretizar-se fossem consequentes e coerentes.  Desse conjunto de questões, selecionamos três às quais procuramos dar resposta.

A primeira: O que é hoje, no tempo das tecnologias digitais, uma biblioteca? 

— Para comentar essa questão — extensa nas suas implicações —, lembramos a frase de Jorge Luis Borges quando escreveu que "o verdadeiro labirinto é o deserto". Borges referiu-se às bibliotecas como lugares onde nos orientamos, lugares habitados por ideias, histórias, sensações, viagens, emoções, pensamentos, enfim… todo um universo humano. 

O labirinto, isto é, aquele lugar em que poderíamos nos perder, é o oposto de uma biblioteca: um deserto. Para ser esse lugar que nos orienta, que nos habita, a biblioteca é hoje, certamente, menos um repositório, um arquivo, e muito mais um lugar de encontro, surpresa e de deslumbramento. Claro que essa vocação de lugar de encontro é construída a partir do acervo que a biblioteca dispõe, mas tem de ser muito mais do que isso: um mapa para ver o mundo.

Qual o papel que as bibliotecas têm no desenvolvimento e fruição da cultura?

— Aqui, também, entendemos que estamos numa mudança na forma de encarar as bibliotecas. Tradicionalmente, elas tinham uma função de arquivar, sobretudo, livros (e outros suportes de informação) para os disponibilizar para serem usados. Essa vocação é hoje considerada reducionista na medida em que uma biblioteca se encara como um centro de cultura e não só de cultura literária ou livresca. Os livros e a literatura em todas as suas formas de escrita são, sem dúvida, a "joia da coroa" de uma biblioteca, mas não é desejável que se fique por aqui. Uma biblioteca é um lugar onde todas as artes são bem-vindas, são acolhidas como sendo irmãs da literatura. Para isso, é importante que as bibliotecas possam organizar e oferecer eventos de dança, música, artes plásticas, narração de histórias, teatro etc., sublinhando e realçando as pontes que essas manifestações culturais estabelecem com a escrita, com os textos, com as narrativas. As bibliotecas têm, pois, um papel novo e, certamente, imprescindível de dinamização cultural.

Como podemos fazer a biblioteca estar mais próxima da vida das pessoas?

— Sem dúvida uma questão importante e bem problemática. A vida cotidiana, sobretudo a vida urbana, tem restringido muito os momentos em que se pode dedicar tempo à leitura e mesmo à fruição cultural. Da mesma forma que a fast food se vulgarizou, também o consumo de formas de arte curta, diferidas e muitas vezes superficiais se vulgarizou. Há, hoje, dificuldades acrescidas para mobilizar público para espetáculos que não sejam de consumo imediato, espetáculos presenciais e que apresentem formas culturais que convidem a alguma introspecção e interpretação, e não só um desfrute imediato. Esse é um enorme desafio para todos os agentes culturais e seguramente para as bibliotecas. Tornar a Biblioteca presente, necessária e até mesmo imprescindível para a população é, nos dias de hoje, um trabalho difícil, mas possível. Para isso, precisamos de investir em programas que sejam atrativos, procurar, por meio de uma periodicidade regular, fidelizar a participação, apresentar propostas aliciantes que possam ser seguidas por pessoas com uma grande diversidade de cultura, de escolarização e de interesses.

As respostas a essas três questões conduzem-nos a conceber uma biblioteca como um grande espaço de encontro, um espaço de inclusão. A inclusão, neste aspecto, quer dizer que todas as pessoas são bem-vindas à biblioteca. São bem-vindas porque a biblioteca não pode dirigir-se (e mesmo selecionar) certas pessoas. Todos são bem-vindos porque a biblioteca é para todos os humanos: para quem lê muito e para quem lê pouco, para quem gosta de ler e quem gosta pouco de ler, para quem gosta de qualquer tipo de leitura, para todas as pessoas independentemente das suas capacidades ou características pessoais. É à biblioteca que compete lançar este desafio, construir esta ponte, desafiar os mais instalados, criar afetos e, enfim, trazer a cultura para perto de todos, mesmo daqueles que pensavam que não precisavam dela.

A Biblioteca Demonstrativa está a fazer este caminho e, como ela, muitos milhares de pessoas no Brasil e nos países de língua oficial portuguesa. Temos a ambição que as paredes da biblioteca sirvam só para segurar o telhado e que, em todo o resto, a Biblioteca Demonstrativa seja aberta, comunicativa, uma janela, enfim, para ver o mundo e vendo-o experimentar, pensá-lo de outra maneira para o mudar para melhor.

Correio Braziliense
postado em 30/12/2024 00:00
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