Saúde

Balanços e seus símbolos

O Brasil deu um exemplo para o mundo com a educação antitabágica que reduziu de 40% para pouco mais de 10% da população fumante, em 30 anos, e aplicando altos impostos sobre cigarros

Fila para vacinação da quarta dose contra a covid-19 para pessoas de 40 anos ou mais -  (crédito: Pedro Marra/CB/D.A. Press)
Fila para vacinação da quarta dose contra a covid-19 para pessoas de 40 anos ou mais - (crédito: Pedro Marra/CB/D.A. Press)

MARGARETH DALCOLMO — Membro titular da Academia Nacional de Medicina

Vamos nos aproximando do fim de um ano pivotal em nossas vidas, quando protagonizamos algumas conquistas na ciência, virtualmente úteis ao coletivo, ao mesmo tempo em que testemunhamos tragédias ambientais esperadas, guerras absurdas e acirramento de crônicas desigualdades, todos cenários que levam seres humanos ao desafio de sobreviver, cada qual em seu limite. Esse balanço, entretanto, não nos paralisa, pelo contrário, nos estimula a entrar encorajados no ano que chega, marcados pela defesa da vida.

Neste recuo histórico de cinco anos, após a declaração da pandemia da covid-19, quando nos é permitido analisar, mais do que o impacto em nossas vidas, as consequências sociais, as descobertas, as decepções, as cicatrizes, e o excesso de luto resultante no Brasil. E de par com tudo, a solidariedade de nova qualidade que, contrariando nossa parca tradição em doar, se observou no setor privado brasileiro, em diversas fontes, contribuindo para viabilizar projetos em diferentes regiões do país e assistir a um muito maior número de pessoas por meio de diferentes medidas, desde  hospitais e ações estratégicas capitaneadas por redes de saúde. Iniciativas como o Todos pela Saúde, que tanto auxiliou, e  que evoluiu para o instituto do mesmo nome, e que hoje presta serviços de grande relevância, são exemplares e deveriam servir de inspiração para muitas outras. 

Se fomos desafiados ao extremo, profissionais da saúde, infraestrutura de serviços, públicos e privados, otimização de insumos, o fato é que pouco tivemos tempo para perplexidades e, de pronto, canalizamos nossos melhores esforços, desde a busca incessante de respostas sobre a origem, história natural, patogenia, comportamento, até possíveis tratamentos para a nova doença. Agências regulatórias e comitês de ética trabalharam em regime de urgência com o cuidado de, diante da premência e da magnitude da tragédia, minimizar o improviso e medidas sem a necessária sustentação científica para aplicação in anima nobile. Ficava logo claro que diante de uma virose aguda de transmissão respiratória a descoberta de vacinas seria a solução para conter as mortes e hospitalizações.

Com essa observação, registro o tanto de inadmissível que se sucedeu, e permanece, em diversos campos de nossa cultura, como consequência, com discussões absurdas a nos fazer gastar tempo e energia para desconstruir, desde conceitos anticiência tirados de frouxas convicções religiosas, a permitir surgir e prosperar no país movimentos antivacinas que jamais haviam sequer existido, associados a equívocos que comprometeram, inclusive, nosso parlamento atual. Quando este se permite em tantos momentos, defender o indefensável, em exemplos que se somam, desde as emendas parlamentares, cujo objetivo nada tem a ver com o bem comum, até conceitos de vida que pouco têm a ver com a dignidade humana.  

O Brasil deu um exemplo para o mundo com a educação antitabágica que reduziu de 40% para pouco mais de 10% da população fumante, em 30 anos, e aplicando altos impostos sobre cigarros. Se pensarmos como hoje se pode propalar a mudança, por exemplo, de nossa regulamentação vigente quando os dispositivos eletrônicos de fumar, os chamados vapes, sobejamente provados como muito nocivos à saúde humana, inclusive baseando  argumentos em cálculos de obtenção de impostos, forçosamente temos que demonstrar o óbvio: além de acima de qualquer preceito ético, isto é, auferir ganhos sobre a vida de crianças e jovens, a matemática está equivocada, uma vez que os gastos em saúde superariam em dezenas de vezes qualquer montante de impostos obtidos.

Entramos, assim, o novo ano, com a perspectiva de novas epidemias, quiçá pandemia de novos vírus e a premente necessidade de nos preparar em todos os sentidos, em contingência e políticas, sob o manto de nossa velha, mas obstinada esperança de brasileiros.

Pelo denso conjunto de informações e de desafios que se gerou nesse lustro, que efetivamente abriu o século 21, permito-me citar a máxima do pensamento gramsciano de que "o pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da vontade". Dor e derrota não precisam ser paralisantes, ao contrário. Em nós, que temos o privilégio de olhar o outro, cuidar, e descobrir uma nova capacidade de se solidarizar, tudo serve para nos encorajar e iluminar, como uma permanente epifania. Feliz ano-novo!

 

Opinião
postado em 29/12/2024 06:00
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