Por "questões éticas e metodológicas", o estudo que impulsionou o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 durante a pandemia foi "despublicado" no último dia 17. A pesquisa comandada pelo controverso médico francês Didier Raoult — que teve o registro profissional cassado em outubro — é alvo de questionamentos no meio científico há anos. Não tinha mais crédito. Mas a retratação feita agora pela Elsevier é certeira. A editora reforça a necessidade de um compromisso permanente e ético com a saúde pública justamente no mês em que se completam cinco anos das primeiras infecções por um vírus que parou o mundo, como mostrou recentemente série do Correio.
No auge da crise sanitária, nos dois primeiros anos, calcula-se que 15 milhões de pessoas perderam a vida em decorrência de complicações desencadeadas pelo Sars-CoV-2. O que, inicialmente, era uma "pneumonia" atípica se revelou uma ameaça colossal, a ponto de ainda hoje, mesmo com todos os avanços obtidos — incluindo a vacina desenvolvida em tempo recorde —, o coronavírus seguir desafiando médicos e cientistas.
A manifestação crônica da covid-19 é um dos problemas atuais. Ao Correio, Ziyad Al-Aly, epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade de Washington, em Saint Louis, alertou que outras crises sanitárias, como a pandemia de gripe de 1918, ensinaram que é possível surgir sequelas, inclusive incapacitantes, décadas depois das infecções. Há mais de 100 manifestações crônicas da covid conhecidas, sendo o coração um dos órgãos mais afetados. Arritmia, trombose e infarto acometem quem enfrenta essa inflamação persistente, resultando em uma sobrecarga para sistemas de saúde já historicamente afetados por doenças cardiovasculares — elas matam em média 400 mil brasileiros por ano, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Outro desafio é ampliar a cobertura vacinal contra o coronavírus, um dever de casa que está bem aquém do esperado no Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram que quase 80% da população não completou o esquema de vacinação bivalente contra covid-19. Só não estão na faixa vermelha de imunização, com menos de 25% da população com a carteira em dia, Piauí, Distrito Federal e São Paulo. Ainda assim, as taxas estão longe do recomendado por especialistas: 28,9%, 28% e 26,7%, respectivamente. A melhora desse cenário passa por ao menos duas questões que gestores públicos têm deixado a desejar: disponibilidade de doses e uma campanha permanente pró-imunização.
Um terceiro dilema é estar preparado para a nova crise sanitária. E, nesse quesito, o Brasil também está em desvantagem. Projeção conduzida por cientistas da Universidade de Sydney revelou que o país faz parte da lista dos com maior vulnerabilidade para o surgimento de doenças capazes de desencadear outra pandemia, assim como os Estados Unidos e a Índia. Entre as razões, estão o avanço da ocupação humana em habitats de outras espécies e o agravamento das mudanças climáticas. Segundo Michael Ward, pesquisador da instituição australiana, a emergência de novos vírus zoonóticos (de origem animal) é uma possibilidade muito alta. Considerando o desempenho do Brasil no enfrentamento a uma zoonose antiga, a dengue, no início deste ano, é hora de novas correções.