Opinião

Artigo: Natal é simplicidade, nada a ver com ostentação

O menino veio ao mundo da forma mais simples e pobre, como se Deus quisesse dizer: "Aprendam logo: felicidade rima é com... simplicidade"

Opiniao 2512 -  (crédito: Caio Gomez)
Opiniao 2512 - (crédito: Caio Gomez)

Paulo José Cunha*

O mais fascinante aspecto do Natal cristão é a mensagem da simplicidade. Até os agnósticos não escondem o espanto diante de uma história que tem sua força numa narração que vai ao contrário do que seria de se esperar. Afinal, o nascimento de um menino que é Homem e Deus ao mesmo tempo, na tradição das histórias de outras religiões ou da literatura fantástica, deveria remeter ao surgimento de um super-herói dotado de superpoderes, rico, poderoso, herdeiro de um reino próspero, com os pais ocupando elevados cargos e com um trono de ouro pronto à sua espera. Afinal, não seria o nascimento de um menino qualquer, mas do filho...de Deus! De Deus!

Mas a história contada no texto bíblico vai em sentido oposto. Relata a história de um casal muito simples e pobre que vai à sua cidade natal, Belém, se apresentar para um recenseamento, porque o governo da época queria saber quantos súditos havia no reino. Não havia internet, telefone nem telégrafo na época. O jeito era pegar a estrada pra ir contar a um funcionário do governo quantos moravam na casa deles, quantos homens, quantas mulheres, quantas crianças, essas coisas. A Bíblia até fala que José descendia de Davi, o rei sábio. Mas fica por aí, não diz mais nada. E Maria estava grávida, já pertinho de ter o filho. Por isso, eles prepararam o burrinho, umas poucas mudas de roupa, uns paninhos pro bebê que podia nascer a qualquer momento. Cada um com seu cajado para se apoiar nas passagens mais difíceis, tocaram pra Belém. Claro que não tinham feito reserva em hotel, pousada ou albergue. Nem havia Bancorbrás ou Airbnb naquela época. 

Bateram de porta em porta, mas encontraram todas as pensões lotadas. Claro: tal como eles, todo mundo tinha ido se registrar no recenseamento. Não havia acomodação. Fazer o quê? Maria já começava a dar sinais do parto iminente. A saída foi se ajeitarem num estábulo, um curral pra usar uma linguagem mais aqui do nosso dia a dia. Por isso, tiveram de ficar ali, misturados a bois, cavalos, ovelhas. Com o cheiro de seus respectivos cocôs e xixis. E parece que os estábulos eram construídos em grutas, porque há até uma música natalina que diz: "Eis na lapa — sinônimo de gruta — Jesus, nosso Bem". 

José era um carpinteiro, desses que cortam madeira bruta pra fazer uma cerca, um mourão de curral, um assoalho ou uma porta rústica. Não era marceneiro, que é o profissional que fabrica móveis e cria objetos para o dia a dia, como gamelas e colheres de pau. Não teve a chance de se especializar. Era muito, muito pobre. Ele percebeu que o único móvel disponível por ali, se é que se pode chamar de móvel, capaz de receber um recém-nascido era a manjedoura, isso que por aqui a gente chama de cocho, onde se põe ração pros bichos comerem. Maria forrou o cocho com algumas palhas, envolveu o menino nos paninhos que havia trazido. Pronto: estava pronto o berço do filho de Deus. Ali mesmo Maria deu à luz, sabe-se lá em que condições. Parteira? Qual! Obstetra? Mas nem!  

Fazia frio naquela noite, e os relatos da Bíblia dão conta de que foi o bafo quente do burrinho e da vaquinha que estavam na estrebaria o que garantiu o calor para aquecer o recém-nascido. Toda essa simplicidade contrasta diretamente com a ideia de que aquele menino era Deus. Ora, Deus pode tudo, é onipotente. Se desejasse, poderia ter mandado seu filho nascer num palácio, com toda a pompa e conforto, dezenas de empregados à disposição, ricos perfumes, óleos raros e especiais, roupas delicadas e ornadas com sofisticados bordados.  

Mas não. O menino veio ao mundo da forma mais simples e pobre, como se Deus quisesse dizer: "Olha, gente, não é a riqueza, gente! Não é a riqueza! Aprendam logo: felicidade rima é com... simplicidade". Por isso espanta e aborrece ver representações do Natal com José e Maria vestidos com roupas ricas e vistosas, cheias de pedras preciosas, tudo muito fashion e chique. Natal, portanto, é recomeço, recriação, renovação. Renovação pela sim-pli-ci-da-de. Pela humildade. Pelo contrário da ostentação. 

Neste instante em que as famílias se encontram em festa, e se abraçam, e se beijam e trocam presentes, é hora de se fazer uma reflexão sobre a importância da simplicidade e do desapego. Porque, se há alguém a quem nós podemos e devemos imitar, é o próprio Deus, acreditemos nele ou não. E se ele próprio ensinou que o caminho é o da simplicidade, quem haverá de duvidar?

Portanto, vamos nos abraçar e nos beijar, esquecer o que nos separa e celebrar os valores maiores desta vida — o amor, a fraternidade, a caridade, a simplicidade, o afeto, o carinho, o respeito às diferenças, a tolerância e a certeza de que uma manjedoura simples, numa noite fria de Belém, onde um menino foi deitado há mais de 2 mil anos, tem mais a nos ensinar do que dezenas de tronos de ouro, escolas e professores de escolas caríssimas e centenas de universidades famosíssimas. Ao contrário: nossa festa deve ser feita de simplicidade. E repleta do nosso bem maior: o bem-querer que nos une e nos aproxima.

Feliz Natal a todos! 

Jornalista, professor e escritor*

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postado em 25/12/2024 06:00
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