Ricardo Afonso Teixeira*
A discussão sobre a proibição do uso de aparelhos de telefone celular nas escolas tem muitas dimensões, e apresento aqui a você uma seleção de informações sobre o impacto dos aparelhos eletrônicos sobre o aprendizado que pode auxiliar na construção de uma opinião sobre o assunto.
Vamos começar pelo conceito de efeito de drenagem cerebral induzido pelo smartphone proposto e demonstrado em 2017 (brain drain). Sabemos, muito antes disso, que o cérebro é melhor quando faz uma coisa por vez do que no modo multitarefa. Esse conceito de drenagem cerebral parte do princípio que os recursos cerebrais têm limites, e o simples esforço de ter que evitar acessar o aparelho em cima da mesa de trabalho, no modo silencioso-sem vibração e com a tela para baixo, já consome, drena recursos cognitivos que levam a um menor desempenho em testes cognitivos. Esse esforço é inconsciente e chamado de atenção automática. O mais impressionante desse trabalho de Ward e colaboradores foi que o desempenho foi melhor quando o smartphone ficava em uma sala separada, e só um pouco melhor quando no bolso ou nas mochilas dos estudantes, sugerindo que a mera presença do aparelho na sala teve impacto negativo.
O uso dos smartphones e os algoritmos das redes sociais têm treinado nosso cérebro a ter recompensas imediatas o dia inteiro, numa velocidade bem diferente do processo acadêmico de construção do conhecimento. Já foi demonstrado que apenas um bip de alerta do smartphone influencia negativamente o desempenho cognitivo durante uma tarefa. Imagine o impacto do aparelho na sala de aula com todas as suas funções disponíveis?
Vamos agora dar uma olhada no laptop na sala de aula. Estudantes conseguem digitar no computador um maior conteúdo daquilo que o professor fala do que quando escrevem numa folha de papel. Mas será que o aprendizado de quem usa o laptop na sala de aula é melhor? Mais nem sempre é melhor.
Pesquisadores das Universidades de Princeton e Los Angeles, nos Estados Unidos, têm demonstrado que os alunos aprendem mais quando anotam no papel. Eles testaram em centenas de alunos dessas duas universidades, após uma aula, a memória factual, a compreensão do conteúdo e a habilidade em sintetizar a informação. Metade anotava a aula no papel e a outra, no laptop. Os que anotaram no papel realmente tiveram melhor desempenho.
Mas por que no papel é melhor? Como no laptop os alunos são capazes de digitar uma aula praticamente na íntegra, o trabalho é pouco reflexivo, exigindo do cérebro pouca atividade analítica e de síntese. Escrever no papel é mais lento e permite uma maior "digestão" do conteúdo, forçando o cérebro a capturar melhor a essência da informação.
Mas e se os alunos fossem instruídos a usar o laptop sem tentar copiar o que o professor fala? Não adianta. Os pesquisadores pediram que os alunos digitassem no laptop um conteúdo com as próprias palavras, mas não melhorou. Continuaram a escrever as palavras do professor, e o desempenho foi o mesmo. Mas será que, por conseguirem digitar mais conteúdo, os usuários do laptop terão vantagens na hora de estudar para a prova uma semana depois? Também não. Mais uma vez, a turma do papel se saiu melhor.
No caso das crianças, a importância do lápis e papel nas mãos ainda é mais crítica. Até o sexto ano, as crianças escrevem mais rápido com o lápis do que com o teclado e conseguem exprimir mais ideias em um determinado tempo. Especialistas defendem a ideia de que as crianças pensam melhor quando escrevem com lápis, e isso é corroborado por estudos que mostram maior atividade cerebral com essa forma de escrita.
Se ainda formos comparar o papel com um laptop com a internet conectada, aí a goleada deve ser muito maior. Estudos mostram que os alunos usam 40-60% do tempo do laptop na sala de aula com navegação na internet sem relação com o aprendizado. Um estudo da Universidade de Michigan State, nos Estados Unidos, com estudantes de graduação em psicologia descortinou alguns números importantes sobre o assunto. Eles mostraram que os estudantes passavam dois terços do tempo na sala de aula ligados a atividades não acadêmicas na web, como redes sociais, e-mail, compras, jogos etc. — 40 minutos a cada 100 minutos de aula.
Como previsto, o desempenho acadêmico foi inversamente proporcional ao tempo de uso do laptop para fins não acadêmicos. Por outro lado, o uso da web como ferramenta de apoio ao aprendizado era usado por apenas cinco minutos dentro dos 100 minutos de aula. Além disso,os estudantes ainda passavam em média 27 minutos dos 100 digitando mensagens no celular. Conseguir aprender assim parece um milagre.
Doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília*