Não se discute que o Congresso Nacional representa a totalidade dos brasileiros. Para isso, porém, deputados e senadores são muito bem remunerados e têm todas as condições materiais para exercerem suas atribuições, sendo legislar para o bem comum a missão principal. A prerrogativa de elaborar emendas impositivas ao Orçamento da União é um alargamento discutível dessas atribuições, cuja disfuncionalidade vem se tornando cada vez mais flagrante.
Foi o que observamos neste final do ano, durante o processo de aprovação da reforma tributária e do ajuste fiscal, no qual as emendas impositivas se tornaram um instrumento de chantagem do Legislativo em relação ao Executivo. A obstrução deliberada dos trabalhos do Congresso, que costuma ser um instrumento de negociação das minorias, foi protagonizada por governistas e oposicionistas para barganhar o descumprimento de regras de transparência e rastreabilidade das verbas federais, recém-estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão da ocorrência de desvios de recursos públicos na execução dessas emendas.
As emendas parlamentares impositivas permitem aos parlamentares destinarem recursos do Orçamento da União para projetos, obras e ações em seus estados e municípios. São assim chamadas porque sua execução pelo Poder Executivo é obrigatória, desde que estejam de acordo com critérios legais. O montante dessas emendas neste ano chega a R$ 52 bilhões.
Ocorre que vários casos de desvios desses recursos estão sendo investigados, o que levou o STF a estabelecer regras mais rígidas de controle sobre a aplicação dessas verbas, uma parte das quais se tornou uma caixa preta, o chamado "orçamento secreto", como eram chamadas as" emendas do relator" cujos verdadeiros autores permaneciam no anonimato.
Medidas adotadas pelo Supremo proibiram a existência do "orçamento secreto". Porém, deputados e senadores criaram expedientes para burlar a decisão. Um deles é a chamada emenda Pix, cuja destinação não exigia projetos nem programas específicos; o outro, as emendas de comissão, cujos autores não eram identificados. Diante da falta de transparência e rastreabilidade e de casos comprovados de desvio de recursos, o ministro do STF Flávio Dino sustou a execução dessas emendas e, com aprovação dos demais integrantes do STF, estabeleceu regras novas para garantir o respeito às diretrizes constitucionais de execução orçamentária.
Emendas parlamentares no Brasil têm sido, ao longo dos anos, foco de diversos escândalos. Os mais notórios foram Anões do Orçamento (1993-1994), no qual parlamentares manipulavam emendas para beneficiar entidades fantasmas; Sanguessugas (2006), a compra de ambulâncias superfaturadas em conluio com empresas fornecedoras do Ministério da Saúde; Operação João de Barro (2008), desvios de verbas destinadas a estradas e casas populares; e o Orçamento Secreto (2020-2022), a distribuição de recursos sem transparência. Neste ano, houve ainda a Operação Overclean, que desviou R$ 1,4 bilhão de recursos por meio de licitações e contratos fraudulentos.
Diante desse histórico, não se pode concordar com a adoção de mecanismos — como a recém-criada "emenda de lideranças", para realocar emendas parlamentares sem que se saiba a autoria e a destinação dessas verbas — durante as negociações para aprovação da reforma tributária e do pacote fiscal pelo Congresso. Por óbvio, esse expediente contraria as regras constitucionais e é um terreno fértil para novos escândalos.
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