BENITO SALOMÃO — Professor de macroeconomia do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU)
O Banco Central (BCB) iniciou, no segundo semestre de 2024, um novo ciclo monetário de elevação da taxa de juros. Na reunião do Copom do último dia 11, elevou a Selic em 1 ponto base, para os atuais 12,25% ao ano. Tal elevação pode ser considerada bastante agressiva e, ao se considerar o padrão histórico das decisões sobre juros do Copom, raras foram as vezes em que uma dose de 1 ponto na taxa de juros foi adotada em uma única reunião. Em geral, o BCB tem uma tradição de contrações monetárias graduais.
Essa decisão foi tomada em meio a uma inflação (IPCA) persistentemente acima da meta, hoje em 4,87%, e, ao se considerar um período mais longo, desde a saída da pandemia, o BCB não tem sido capaz de fazer convergir a inflação para o centro da meta. Dado que as medianas das previsões do Focus indicam um IPCA em 4,6% para o fim de 2025, o país pode completar cinco anos de estouros nessa meta. Essa persistência tem ocorrido mesmo diante de elevadas doses de contrações monetárias. Olhando os dados, a taxa real de juros está em 7,38% ao ano. Considerando que a taxa neutra seja de 5% (mediana da estimativa do próprio BCB em junho/24), tem-se uma dose de contração monetária de 2,38%, com viés de alta para os próximos meses, quando o mercado já prevê Selic em 14% ao fim do ciclo.
Diante desse quadro, a pergunta que se faz é: por que, apesar da contração monetária em curso, o BCB não tem sido capaz de fazer convergir a inflação para a meta? O diagnóstico predominante que circula na imprensa aponta o desequilíbrio fiscal como a causa principal da persistência inflacionária. Os defensores dessa ideia olham para a dinâmica da dívida pública em expansão contínua e buscam explicações na Teoria Fiscal do Nível de Preços de Cochrane (2023) para sustentar o argumento de que a inflação no Brasil tem raízes fiscais.
É evidente que, se o endividamento público continuar crescendo ao ritmo atual, problemas surgirão. No entanto, um olhar mais atento aos dados indica que a dívida pública no Brasil não está crescendo devido a um descontrole fiscal. O deficit primário previsto para 2024 é de 0,5% do PIB e será um dos menores observados na série histórica desde 2014. Ademais, se o pacote fiscal anunciado no último mês for aprovado no Congresso e entregar o impacto prometido, há a possibilidade de zerar o deficit primário em 2025. Sendo assim, como explicar a dinâmica da dívida pública recente?
Desde a saída da pandemia com os consecutivos "furos" no teto de gastos, o custo de rolagem da dívida bruta medido pela taxa implícita de juros passou a ser superior aos 10% ao ano. Ao longo do ano passado, mesmo diante das quedas na Selic, ou ainda da aprovação do Arcabouço Fiscal (NAF), esse custo de rolagem pouco se alterou.
Em suma, a dinâmica do endividamento público está relacionada ao seu custo de rolagem, que, por sua vez, está condicionado a uma percepção de risco dos seus financiadores, que têm exigido um prêmio elevado. Com isso, conclui-se que o problema brasileiro é mais de cunho expectacional do que fiscal propriamente dito. Em outras palavras, há algo na percepção subjetiva dos agentes que tem produzido a precificação de uma dinâmica preocupante da dívida pública, isso tem gerado efeitos colaterais sobre a taxa de juros, a inflação e sobre a própria trajetória da dívida.
Para lidar com a subjetividade da percepção dos agentes sobre o estado da economia, um amplo sistema de âncoras macroeconômicas foi desenvolvido nas últimas décadas, visando cadenciar expectativas. O Regime de Metas de Inflação (RMI) é uma âncora que informa para onde o BCB guiará a inflação num horizonte de tempo. É claro que, quando se passam cinco anos e a inflação não retorna à sua meta, os agentes perdem a confiança na âncora e passam a buscar outros indexadores para guiar suas decisões. Âncoras cambiais são menos usuais. Entretanto, mesmo em regimes de câmbio flutuante, algum grau de intervenção no câmbio, mantendo sua volatilidade dentro de certos limites, pode ajudar a coordenar expectativas.
Há, ainda, âncoras fiscais, que informam aos agentes o padrão de manuseio dos impostos e gastos. Nos últimos 25 anos, tais âncoras passaram por descontinuidades. Ao todo, o regime de metas primárias, o teto de gastos e, agora, o NAF revezaram no papel de âncora fiscal no país. Talvez, essas descontinuidades estejam na raiz da desconfiança dos agentes quanto ao problema fiscal brasileiro. O fato é que o governo tem feito um substancial esforço fiscal cujo resultado está sendo uma redução substancial do deficit primário, mas a precificação do risco fiscal observada no custo de rolagem da dívida está indo na direção oposta.
Isso mostra que o sistema de âncoras no Brasil não tem performado bem. Não há um problema macroeconômico em curso no país, há um problema reputacional das instituições macroeconômicas. Do lado monetário, o BCB sobe juros e a inflação segue acomodada no teto da meta, já, do lado fiscal, o governo reduz o deficit primário e o endividamento público cresce impulsionado pelo custo de rolagem. Blanchard (2021) disserta sobre mudanças abruptas na percepção dos agentes que guiam a economia de um bom equilíbrio para um mau equilíbrio independentemente de mudanças objetivas no estado da economia. Se esse for o caso do Brasil, o retorno a um bom equilíbrio depende mais de uma boa comunicação e de credibilidade das autoridades do país do que do simples manuseio dos instrumentos de política.