Tiranos, muitas vezes, têm destino cruel. O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein foi julgado e enforcado. O líbio Muammar Khadafi acabou entregue aos rebeldes, antes de ser quase linchado e baleado na cabeça. O líder nazista Adolf Hitler se matou em um bunker depois de derrotado na Segunda Guerra Mundial. O italiano Benito Mussolini foi fuzilado por antifascistas e teve o corpo exposto em praça pública, pendurado de cabeça para baixo, pelos pés, para ser execrado. O nicaraguense Anastasio Somoza foi assassinado com um disparo de bazuca, no meio da rua, em Assunção.
- Leia também: Cem anos de uma catedral
O sírio Bashar Al-Assad teve mais sorte porque fugiu antes de ser alcançado pelos insurgentes. Deixou um rastro de dor, horror e medo. Se tivesse sido capturado, talvez amargasse o mesmo destino dos outros carrascos.
Bashar Al-Assad conseguiu fragmentar a Síria e silenciar a oposição à base de masmorras, torturas e execuções. Enquanto ostentava uma vida luxuosa, com direito a carros esportivos na garagem, mansão requintada e fartos nacos de carne na geladeira, o presidente sírio subjugava seu povo à miséria, ao medo e à desesperança.
Por isso, a queda de Al-Assad deve ser celebrada como o vislumbre do renascer de uma nova Síria aberta à democracia e ao Estado de direito. Apesar de ela ter sido fruto de uma ofensiva levada a cabo por rebeldes com histórico de ligações jihadistas. A julgar pelos primeiros sinais emitidos por Abu Mohammed Al-Jawlani, chefe dos insurgentes, e pelo premiê interino, Mohammed Al-Bashir, a justiça e a vontade popular serão respeitadas.
Com Al-Assad desmoralizado e sob a proteção de Vladimir Putin, o povo da Síria começa a conhecer a real dimensão das violações dos direitos humanos perpetradas pelo seu regime. Cerca de 100 mil corpos teriam sido encontrados dentro de uma cova coletiva, 40km ao norte de Damasco. Em Saydnaya, a prisão militar conhecida como "matadouro de seres humanos", detentos eram mantidos em estado de inanição por décadas em celas solitárias. É preciso que a comunidade internacional envide esforços para responsabilizar Al-Assad e seus asseclas, e julgá-los perante o Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Não se trata de vingança, mas de justiça. Tiranos, ou aqueles líderes que sonham em implantar uma ditadura e gozar das benesses do poder, às custas do sofrimento alheio, deveriam ter a consciência de que, um dia, terão que pagar pelos seus crimes. Apenas a reparação histórica das vítimas de Al-Assad, com o pagamento de indenizações às vítimas e a prisão dos algozes, pode ajudar a Sìria a encontrar o caminho da democracia depois de 53 anos de ditadura dinástica — Hafez Al-Assad (1971-2000) e o filho Bashar (2000-2024).