Opinião

Artigo: A Síria e a geopolítica do Oriente Próximo

O mundo está diante de um conflito que não terminou e que pode gerar sérias consequências para as relações regionais e internacionais

 Members of the Syrian community in Tajura, on the outskirts of the Libyan capital Tripoli celebrate on December 9, 2024, the ousting of Syrian President Bashar al-Assad after a lightning offensive by Islamist-led rebels the previous day. (Photo by Mahmud Turkia / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
Members of the Syrian community in Tajura, on the outskirts of the Libyan capital Tripoli celebrate on December 9, 2024, the ousting of Syrian President Bashar al-Assad after a lightning offensive by Islamist-led rebels the previous day. (Photo by Mahmud Turkia / AFP) - (crédito: AFP)

Pio Penna Filho*

Os recentes acontecimentos na Síria colocam em estado crítico a geopolítica de praticamente todo o Oriente Próximo. Muitos atores regionais estão direta ou indiretamente envolvidos na longa crise que levou ao fim a tirania de Bashar al-Assad. Além da atuação de diversos grupos internos, muitos deles inimigos viscerais, a ação de atores externos impõe novos e complexos desafios para a estabilidade do país.

Irã e Hezbollah eram os dois principais apoiadores do regime de Assad. Ambos, portanto, perdem um aliado importante na luta que travam contra o Estado de Israel. É correto que a Síria não contava com forças armadas bem treinadas e equipadas — ou seja, o país não significava um risco direto para Israel. Mas a atuação de forças iranianas e membros do Hezbollah em seu território constituíam uma ameaça real para o Estado judaico. Nesse sentido, e pelo menos por enquanto, Israel é um dos atores regionais beneficiados pela queda da ditadura síria.

As ações do governo israelense, que bombardeou intensamente o que restou da capacidade militar do antigo regime sírio, demonstram sua preocupação com o futuro próximo. Além dos ataques aéreos, Israel ocupou partes das colinas de Golã e afirmou que pretende manter essa ocupação para a própria defesa.

O Irã perdeu um aliado importante em suas disputas com o Estado de Israel. A Síria, sob Assad, permitia a presença de partes do Exército iraniano, principalmente da Guarda Revolucionária. É claro que essa permissão visava também à manutenção do próprio regime sírio. Vale lembrar que o Irã é um dos maiores inimigos de Israel na atualidade.

O Hezbollah talvez seja, depois de Bashar al-Assad, o grande perdedor com a defenestração do antigo regime sírio. Há muitos anos o Hezbollah estava ativo no país, com presença militar importante combatendo ao lado do Exército sírio. Dessa forma, esse movimento radical perde um importante aliado que o conectava diretamente ao Irã, favorecendo sua logística na obtenção de armas e munições proveniente desse país.

Outro vizinho da Síria, o Iraque, é candidato forte a sofrer algumas consequências das mudanças no regime sírio. Um número considerável de soldados sírios que desertaram nos dois últimos dias do avanço do movimento Hayat Tahrir al Sham (HTS), que culminou com a tomada da capital Damasco, se dirigiu para o Iraque. Aliás, o Iraque já possui grandes problemas de divisões internas e da atuação de diversos grupos considerados radicais. Pensar que o Estado iraquiano detém o controle do país é um verdadeiro devaneio.

A Turquia, que compartilha extensa fronteira com a Síria, é considerada por analistas internacionais como uma das grandes vitoriosas com o fim do regime de Assad. Interessa a Turquia estabilidade no país vizinho e o retorno de cerca de três milhões de refugiados sírios que se encontram em território turco. Além disso, com a derrota de Bashar al-Assad, a Turquia se coloca entre os países com mais credenciais para influenciar o novo governo da Síria.

Mas, além dos atores regionais, outros países estão diretamente envolvidos na questão síria. Os mais importantes são os Estados Unidos e a Rússia. Ambos mantêm tropas e interesses geopolíticos na região. Os Estados Unidos apoiam o movimento denominado Forças Democráticas da Síria, que conta com relevante presença curda; a Rússia, por sua vez, apoiava o governo de Bashar al-Assad. 

Essas duas grandes potências militares estão ainda hoje presentes no território sírio. Há uma grande dúvida se a Rússia conseguirá manter sua base naval e aérea, haja vista que o fim do regime claramente prejudicou seus interesses militares diretos no país. Dessa forma, é uma incógnita se a presença russa continuará no país. 

Os Estados Unidos também mantêm tropas na Síria. Como estava distante do governo Assad, é possível que sua presença militar não seja tão abalada quanto a da Rússia. Entretanto, assistem aos acontecimentos com certa apreensão, uma vez que o cenário político e militar na Síria é muito instável. Não foi à toa que o principal aliado dos Estados Unidos na região resolveu atacar a Síria mesmo após o fim da ditadura de Bashar al-Assad.

Enfim, o mundo está diante de um conflito que não terminou e que pode gerar sérias consequências para as relações regionais e internacionais. O fim da ditadura de Bashar al-Assad, por si só, apesar de ser uma notícia alvissareira, não significa paz e estabilidade numa das regiões mais conflituosas do planeta. 

Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB)*

  • Pio Penna Filho, Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB)
    Pio Penna Filho, Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Foto: arquivo pessoal
  • Pio Penna Filho,Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB)
    Pio Penna Filho,Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Foto: Arquivo pessoal
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postado em 15/12/2024 06:10
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