Maurício Antônio Lopes*
Os sistemas alimentares são a base que sustenta a vida em nosso planeta, fornecendo os recursos essenciais que alimentam bilhões de pessoas todos os dias. Eles conectam produtores e consumidores em uma teia complexa que influencia economias, culturas e ecossistemas ao redor do mundo. No entanto, por trás dessa função vital, existem impactos ocultos que muitas vezes passam despercebidos.
Tais impactos, muitas vezes chamados de custos invisíveis ou externalidades, referem-se aos efeitos que os sistemas alimentares exercem sobre a saúde humana, o meio ambiente e o bem-estar social, mas que não são contabilizados nos preços dos produtos que consumimos. Esses efeitos, muitas vezes profundos, são frequentemente ignorados porque não aparecem diretamente nas decisões econômicas ou nos preços de mercado.
Os custos invisíveis incluem o tratamento de doenças, como obesidade e diabetes, associadas à alimentação, aos danos ambientais causados pela poluição de solos e águas, e às desigualdades sociais agravadas por condições precárias de trabalho no campo. Esses exemplos mostram como os impactos ocultos vão além dos preços pagos, exigindo ações para mitigar seus efeitos e promover a sustentabilidade.
A complexidade e a urgência de abordar os impactos ocultos dos sistemas alimentares são temas centrais do estudo O Estado da Alimentação e da Agricultura 2024, publicado recentemente pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O documento lança luz sobre como os custos invisíveis relacionados à saúde, ao meio ambiente e ao bem-estar social afetam populações e economias ao redor do mundo.
Utilizando uma abordagem baseada na contabilidade de custos verdadeiros, o estudo revela uma realidade preocupante: os sistemas alimentares globais geram impactos que ultrapassam a marca de US$ 10 trilhões anuais. Os custos relacionados à saúde representam 70% desse total, impulsionados por doenças não transmissíveis associadas a dietas inadequadas.
Além disso, os danos ambientais, incluindo emissões de gases de efeito estufa, degradação do solo e poluição hídrica, somam centenas de bilhões de dólares, colocando em risco a resiliência dos ecossistemas. No campo social, as condições precárias enfrentadas por trabalhadores agrícolas e desigualdades econômicas reforçam ciclos de pobreza, gerando impactos críticos difíceis de mensurar.
Esses dados não apenas evidenciam a gravidade dos custos ocultos, mas também fornecem uma base robusta para decisões estratégicas e direcionadas. Ao analisar detalhadamente diferentes tipos de sistemas agroalimentares — desde os tradicionais até os industrializados—, é possível identificar com maior precisão os setores e regiões mais impactados, bem como as áreas em que os investimentos podem gerar mudanças mais significativas e duradouras.
Nos sistemas industrializados, é crucial reduzir os custos de saúde causados pelo consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, que contribuem para a epidemia de doenças crônicas, como obesidade e diabetes. Em contraste, nos sistemas tradicionais, a prioridade deve ser o combate à desnutrição e o fortalecimento da segurança alimentar, com ações direcionadas para melhorar o acesso e a qualidade dos alimentos, atendendo às necessidades urgentes das comunidades.
A abordagem também ajuda a identificar políticas específicas, como incentivos para práticas agrícolas sustentáveis, programas de educação nutricional ou iniciativas para reduzir desperdícios nas cadeias produtivas. Dessa forma, a quantificação dos custos invisíveis não só revela onde estão os maiores gargalos, mas também orienta soluções que promovam transformações positivas nos sistemas alimentares.
Ignorar os custos invisíveis de tais sistemas não é uma opção viável. A crescente conscientização pública e a pressão por maior responsabilidade social e ambiental exigem mudanças estruturais. Reconhecer e enfrentar esses custos é essencial para proteger a competitividade da agricultura e dos sistemas alimentares e assegurar seu papel como motor de desenvolvimento econômico, social e ambiental no longo prazo.
O Brasil, uma das maiores potências agrícolas globais, precisa enfrentar o desafio de alinhar sua contribuição para a segurança alimentar mundial com a necessidade de mitigar os impactos ocultos de sua agricultura. A diversidade de ecossistemas e a escala da produção nacional oferecem oportunidades únicas para implementar práticas que equilibrem produtividade e sustentabilidade.
Na verdade, o nosso país está em posição de se tornar referência na transformação de sistemas alimentares globais. Adotar a abordagem de custos verdadeiros permitirá alinhar políticas e investimentos com práticas sustentáveis e inclusivas. Um esforço coordenado entre governo, setor privado e sociedade civil fortalecerá a nossa liderança, reduzindo custos ocultos e inspirando o mundo com um modelo agrícola que une eficiência, promoção da saúde e bem-estar, e proteção ambiental.
Ex-presidente e pesquisador da Embrapa*