Opinião

As lições da seca no Norte para o abastecimento de combustíveis

A história recente também mostra que, em momentos cruciais ao abastecimento nacional, a integração entre a iniciativa privada e o poder público foi essencial para superá-los

Vista aérea mostrando um barco e uma balsa encalhados nas margens do Rio Negro -  (crédito: MICHAEL DANTAS / AFP)
Vista aérea mostrando um barco e uma balsa encalhados nas margens do Rio Negro - (crédito: MICHAEL DANTAS / AFP)

MARCELO ROMANELLI — Diretor jurídico do Grupo Atem e mestre em petróleo e gás pela Universidade de Dundee (Reino Unido)

A Região Norte, especialmente a Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima), tem enfrentado este ano uma estiagem de gravidade inédita. Os efeitos ambientais e econômicos são devastadores, impondo desafios logísticos sem precedentes e afetando a navegação nos rios, que é a espinha dorsal para o suprimento de combustíveis.

É em cenários críticos como esse que o arcabouço jurídico-regulatório brasileiro para as atividades de refino, distribuição e transporte de combustíveis é posto à prova. Um sistema regulatório robusto não se limita à supervisão e ao controle. Deve ser capaz de oferecer a flexibilidade para que o mercado funcione de forma eficiente, mesmo sob pressão. Nesse cenário, uma combinação de fatores tem sido decisiva: a mobilização da iniciativa privada, um arcabouço jurídico-regulatório que garante a liberdade de preços e que dá às empresas flexibilidade para ajustar operações, e o papel do poder público em criar ambiente propício para que empresas desempenhem seu papel de forma otimizada. É a sinergia entre esses pilares que tem permitido ao Brasil superar desafios impostos por crises passadas e, agora, enfrentar a seca histórica no Norte.

A Amazônia Ocidental demanda, a cada ano, cerca de 1,5 bilhão de litros de gasolina C e 2,3 bilhões de litros de diesel B, ambos possuindo, em suas composições, respectivamente, 27% de etanol anidro e 14% de biodiesel. Desnecessário discorrer sobre a importância dos combustíveis para a sociedade. Contudo, a Amazônia tem  contornos delicados ao envolver a geração de energia elétrica. 

O Brasil possui uma vasta rede de transmissão de energia, que forma o Sistema Interligado Nacional (SIN). No entanto, existem cerca de 270 localidades, a maioria na Amazônia, que não estão ligadas ao SIN por razões técnicas ou econômicas. São os Sistemas Isolados que, somente no Amazonas, somam 97 localidades e 2 milhões de pessoas. Nesses casos, a indisponibilidade de diesel significaria a ausência de luz, de água e de serviços básicos.

Como dito, os rios Amazonas, Solimões, Negro, Juruá e Madeira formam o principal corredor logístico, inclusive para receber etanol e biodiesel, produzidos no Centro-Oeste e no Sudeste. Na seca, o nível dos rios baixa a ponto de dificultar a navegação de grandes embarcações, criando desafios para o transporte de combustíveis. Nesse contexto, foi necessário adotar diferentes estratégias, como ampliar a estocagem de combustíveis, realizar operações de transbordo em locais distantes de Manaus, contratar mão de obra adicional, redirecionar rotas e ampliar frota de embarcações. 

Esse dinamismo é viável graças ao regime da liberdade de preços em toda cadeia de produção, distribuição e comercialização de combustíveis introduzido pela Lei do Petróleo de 1997. Esse marco legal afastou o regime de regulação sobre os preços dos combustíveis, permitindo que eles passassem a ser definidos livremente pelos agentes de mercado.

Adicionalmente, se antecipando aos efeitos da seca, o governo federal, por meio do Ministério de Minas e Energia, estabeleceu um gabinete de crise para coordenar diferentes órgãos, monitorar efeitos adversos e mitigar impactos no abastecimento. Assim, órgãos como o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a Receita Federal, a Capitania dos Portos e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) têm se destacado ao adotar medidas excepcionais, como a flexibilização de obrigações e restrições regulatórias, e agilidade na emissão de licenças que o cenário demanda.

À medida que o Brasil enfrenta crises cada vez mais frequentes e intensas, a experiência da Amazônia Ocidental em 2024 reforça a importância de uma resposta coordenada entre os setores público e privado. A capacidade de adaptação das distribuidoras e refinarias, aliada a um marco regulatório flexível e à atuação proativa dos órgãos, demonstra como a sinergia entre esses três pilares pode garantir a continuidade do abastecimento, mesmo em condições extremas.

A história recente também mostra que, em momentos cruciais ao abastecimento nacional, como a greve dos caminhoneiros (2018), a pandemia de covid-19 (2020) e as cheias no Rio Grande do Sul (2024), a integração entre a iniciativa privada e o poder público foi essencial para superá-los. É essa resiliência e colaboração que permitirão ao Brasil continuar enfrentando com sucesso as novas adversidades que certamente virão.

 


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postado em 13/12/2024 06:00
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