*Rozana Reigota Naves - reitora da Universidade de Brasília
"Enquanto houver batalhas, haverá esperança", assim se pronunciou Dom Quixote, personagem de Miguel de Cervantes, cavaleiro errante que acreditava na luta pelo que considerava justo e nobre. Esperançar, assim tornada verbo, remete à pedagogia de Paulo Freire, o grande educador brasileiro para quem a esperança constitui necessidade ontológica, prática que fundamenta a luta histórica e contínua para melhorar o mundo.
Esse é o sentimento que toma conta de mim e da comunidade da Universidade de Brasília (UnB) desde o dia 21 de novembro último, quando ocorreu a cerimônia de transmissão do cargo de reitora, e, em particular, a partir da noite de 22 de novembro, com a nossa nomeação pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Esses eventos materializaram o início do desenvolvimento do projeto de universidade participativa e transformadora, amplamente debatido e escolhido pela comunidade para a gestão da UnB nos próximos quatro anos. A ideia-conceito "Participar e Transformar" reside no pressuposto de que, para transformar os nossos processos e contribuir efetivamente para o desenvolvimento social, científico e tecnológico do Distrito Federal e do Brasil, a participação e o engajamento da comunidade acadêmica serão fundamentais.
Concebemos a universidade como o lugar privilegiado do debate e da crítica para a construção de sujeitos protagonistas da própria transformação. Uma universidade necessária e de vanguarda, respeitosa ao legado que nos deixaram Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, cuja produção de conhecimento seja promotora de justiça social.
Pensar o Brasil como problema, atuando como aceleradores da história para superar o círculo vicioso do subdesenvolvimento, foi a convocação que Darcy nos fez. E é desse lugar que pretendemos atuar, para que a UnB se fortaleça como uma universidade inovadora, ousada, criativa e comprometida com a proposta de soluções para os grandes desafios nacionais e globais do nosso tempo. Nesse contexto, destacam-se dois eixos com os quais pretendemos contribuir profundamente.
O primeiro é o da emergência climática, que nos leva ao tema da justiça socioambiental, incluindo aspectos como a inclusão social e o enfrentamento à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável, as transições energéticas e a ação climática e a defesa de uma nova governança global, que nos coloca, como instituição, em forte interação com o Sul Global e com a China, o maior parceiro econômico do Brasil neste momento e com o qual queremos ampliar a cooperação no campo da pesquisa e da inovação.
O segundo eixo é o da inteligência artificial (IA), dadas as preocupações éticas e os riscos que o uso da IA indicam para a garantia dos direitos individuais e coletivos, o bem-estar, a soberania nacional e a manutenção da democracia. Enquanto universidade, queremos e devemos contribuir ativa e participativamente com a implementação do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028.
Em seu discurso como doutor honoris causa pela UnB, Noam Chomsky, linguista e ativista político agraciado com o título em 2020, reforçou a necessidade de as universidades estarem atentas ao seu papel: "Nós temos meios de superar as crises que a humanidade enfrenta. Os meios são praticáveis, eles são alcançáveis. Mas não é suficiente saber, é necessário agir. Esse é o desafio iminente, para todos nós".
Obra do acaso, ou do destino, tivemos a honra de iniciar nosso mandato com a visita, em 26 de novembro, do cientista Randy Schekman, Prêmio Nobel de Medicina de 2013, também doutor honoris causa pela UnB, que ministrou palestra intitulada O papel dos genes, das células e da ciência básica nas descobertas e nas doenças. Logo no dia seguinte, recebemos o ministro da Educação da China, Huai Jinpeng, e sua comitiva, para a assinatura de memorando de entendimento referente às atividades do Centro Brasil-China de Pesquisa, Desenvolvimento e Promoção de Tecnologia e Mecanização para Agricultura Familiar, que conta, ainda, com a parceria do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
É a serviço dessa universidade, multicampi, nucleada nos seus territórios, mas projetada para o país e o mundo, que nos colocamos a partir de então acreditando profundamente que superaremos os desafios e alcançaremos os objetivos institucionais por meio de uma gestão participativa e humanista, em um ambiente de trabalho saudável e inclusivo.