Carlos Alberto Silva Junior*
No final de agosto, tive a honra de participar da 6ª Conferência Regional da Diáspora Africana, realizada em Salvador, Bahia. Durante o evento, houve debates intensos e reflexões profundas sobre os desafios e as oportunidades dos povos africanos e afrodescendentes em todo o mundo. Uma conclusão ficou evidente nesses dias: a urgência em se criar uma agência internacional específica para tratar das questões da África e de sua diáspora, que denominei como ONU África e Diáspora.
O pan-africanismo, a memória histórica e as reparações foram os temas centrais da conferência, que apontam nesta direção: a luta do enfrentamento ao racismo, da justiça e da igualdade racial é mundial e exige uma resposta global. Embora tenhamos visto avanços, como a criação do Fórum Permanente sobre Afrodescendentes e regime internacional de combate à discriminação racial, estamos longe de ter uma estrutura internacional robusta e eficaz para enfrentar os desafios impostos pelo racismo estrutural no mundo.
Atualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem agências dedicadas a questões específicas, como a ONU Mulheres, criada graças à luta incansável dos movimentos feministas. Essa agência conseguiu, ao longo dos anos, organizar e articular a pauta das mulheres em um patamar político internacional. É justamente essa capacidade de articulação e incidência global que falta para as questões da África e da diáspora africana.
Durante a conferência, ficou evidente que as necessidades e expectativas das populações afrodescendentes vão muito além do combate à discriminação racial. Elas incluem a reparação histórica pelos danos causados pela escravidão e o colonialismo, a promoção do desenvolvimento econômico e social sustentável, a preservação da cultura e identidade afrodescendente, e a garantia de uma representatividade justa em todos os espaços de poder.
Neste ano, a ONU completou 79 anos, em 24 de outubro, um marco que deve ser comemorado e, ao mesmo tempo, servir como um convite à reflexão crítica. Ao longo de quase oito décadas, a ONU tem se mostrado fundamental na promoção da paz, segurança e desenvolvimento, além de desempenhar um papel crucial na luta contra o racismo. No entanto, as iniciativas até agora adotadas precisam de um aprofundamento e de uma ampliação significativa para garantir uma justiça racial verdadeira e eficaz em escala global. É nesse sentido que a proposta de criação de uma agência específica se torna urgente e indispensável.
A criação da ONU África e Diáspora seria um passo decisivo para atender a essas demandas. Essa agência coordenaria e fortaleceria os esforços globais em prol de justiça racial, políticas de reparações e desenvolvimento, e garantiria que as vozes afrodescendentes sejam efetivamente ouvidas e respeitadas no cenário global. Seria também um espaço para monitorar e denunciar as violações dos direitos humanos.
Ainda assim, a criação de uma agência como a ONU África e Diáspora não deve ser vista apenas como uma resposta reativa às desigualdades históricas e contemporâneas. Ela deve ser encarada como uma oportunidade de redefinir a abordagem internacional ao racismo, estabelecendo padrões globais de justiça e igualdade que respeitem as especificidades culturais e históricas dos povos da África e dos afrodescendentes. Essa nova agência teria a capacidade de unir governos, organizações e movimentos sociais em uma plataforma comum, criando um ambiente colaborativo que possibilitasse soluções práticas e rigorosas para os desafios enfrentados pela África e sua diáspora.
No entanto, sabemos que essa conquista não será fácil. Assim como as mulheres precisaram lutar arduamente para a criação da ONU Mulheres, nós, do movimento negro africano e diaspórico, precisamos nos unir e pressionar o sistema ONU para que reconheça a urgência e a importância de uma ONU África e Diáspora.
Esse é um chamado à ação. A criação da ONU África e Diáspora não é apenas uma questão de justiça, é uma necessidade para que possamos avançar na construção de um mundo mais justo e igualitário para todos os afrodescendentes. O tempo de agir é agora.
*Advogado, mestre em políticas públicas e assessor legislativo da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
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