Mozart Neves Ramos*
Este artigo foi inspirado no texto Smartphones nas escolas: liberar, proibir, controlar, habilitar?, escrito pelo meu dileto amigo Sílvio Meira, que, por sua vez, teve como motivação ampliar o debate sobre a regulamentação do uso desses equipamentos nas escolas públicas. Como diz Sílvio, o relatório do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) tem como foco "salvaguardar a saúde mental, física e psíquica" de crianças e adolescentes, enfatizando os riscos associados ao uso imoderado de telas.
Entre as preocupações apontadas pelo relatório, estão a distração em sala de aula, o impacto no desenvolvimento psicológico, a exposição a conteúdos inadequados e o risco de nomofobia — medo ou ansiedade de ficar sem o dispositivo móvel.
O ministro da Educação, Camilo Santana, por sua vez, destacou que o uso excessivo de smartphones compromete a socialização e o desenvolvimento de habilidades interpessoais essenciais, mencionando que, durante sua juventude, a interação social e as atividades físicas, como esportes e idas à biblioteca, faziam parte integral da rotina escolar. No cenário atual, segundo ele, a predominância de dispositivos móveis tem reduzido o convívio entre os alunos e aumentado as distrações.
A jornalista do UOL Adriana Ferraz, ao me entrevistar sobre o assunto, começou dizendo que "esse tema une a direita e a esquerda no Brasil". Ou seja, todos estão de acordo com o relatório do deputado Diego Garcia. Então, eu perguntei a ela: O que você espera que eu diga?. Disse-me, então, que procurava ouvir de mim algo que provocasse uma reflexão mais ampla sobre a restrição ao uso de celulares nas escolas.
Comecei explicando a ela que o Brasil tem uma grande dificuldade de implementar políticas educacionais antecipatórias, capazes de trazer o futuro para a sala de aula. Muitas vezes, é mais fácil proibir do que enfrentar os desafios da implementação de uma política complexa, mas necessária. O próximo capítulo dessa discussão — vamos aguardar — vai chegar ao uso da inteligência artificial no processo de ensino e de aprendizagem. Quem está responsável pela política, seja em qualquer uma das três esferas de poder, não quer se indispor, muitas vezes, com a corporação ou outros interesses que não são aqueles vinculados ao desenvolvimento pleno das crianças, como apregoa o artigo 205 da Constituição Federal ou ainda o artigo 2° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O Brasil vive uma crise de lideranças transformacionais.
Sobre o caso dos smartphones, disse-lhe que também concordava com a regulamentação, obviamente necessária, mas que isso era apenas a ponta do iceberg. Todos também concordam que tais aparelhos podem ser laboratórios portáteis para melhorar a qualidade do ensino e, consequentemente, a aprendizagem de nossos alunos — o maior dos desafios da educação brasileira, especialmente agravado pela pandemia. Por outro lado, para ser um laboratório portátil e contribuir, assim, para o processo de ensino e de aprendizagem, duas coisas são essenciais: capacitar os professores das escolas públicas para usá-los no seu potencial máximo no campo pedagógico e prover a escola de internet de alta velocidade, algo que ainda está muito longe da maioria das escolas públicas brasileiras.
Tais desafios precisam ser enfrentados pelo país, como fizeram vários outros países pelo mundo. Por exemplo, na Austrália, o incentivo ao uso de smartphones e dispositivos móveis em sala de aula veio acompanhado de um investimento em infraestrutura e de um programa nacional de formação que capacita professores a integrarem o digital com o tradicional. Tais iniciativas não apenas aprimoram o aprendizado, mas também ajudam a criar culturas escolares que valorizam o uso consciente e produtivo da tecnologia. Foi também a Austrália quem primeiro propôs a proibição do uso de redes sociais para crianças e adolescentes com até 16 anos.
Por fim, trago ainda uma reflexão feita por Sílvio: "Será que conseguiremos, em algum momento, substituir o medo pela visão e pelo planejamento?" "Será que, em vez de proibir, vamos finalmente nos comprometer com o que realmente importa?" A pandemia nos mostrou que o país está longe de ter preparado adequadamente nossos professores para o mundo digital da educação. Uma pesquisa do Centro de Inovação da Educação Brasileira (Cieb) mostrou que, numa escala de 1 a 5, os professores das escolas públicas estão em sua larga maioria no nível 2 — nível básico de formação. Como vamos enfrentar a revolução que está por vir com o uso da inteligência artificial na educação com professores sem formação adequada e escolas públicas, na sua maioria, sem internet de alta velocidade para fazer o bom uso das ferramentas digitais? Essa é a pergunta que queremos deixar aos nossos governantes.
*Titular da Catédra Sérgio Henrique Ferreira da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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