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O Brasil, o Uruguai e a integração regional

Após o encontro com Lula, o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, declarou que "a relação entre os países sul-americanos precisa ser mais forte do que nunca diante de um mundo convulsionado, sob intensas mudanças e com alto grau de imprevisibilidade"

O presidente Lula recebeu, no Palácio do Planalto, o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, para uma reunião -  (crédito: Victor Correia/CB/D.A. Press)
O presidente Lula recebeu, no Palácio do Planalto, o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, para uma reunião - (crédito: Victor Correia/CB/D.A. Press)
 PEDRO SILVA BARROS — Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Foi diretor de assuntos econômicos da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)
Pelas características geopolíticas do Brasil, especialmente em um período de incertezas, sua política externa deveria se pautar pelo não alinhamento ativo. Em poucas palavras, manter a equidistância entre os principais polos de poder, construindo agendas positivas para o interesse nacional com cada um deles, e a prioridade inequívoca à integração regional.
Integração sólida e perene não é uma ação ou política pública imposta aos vizinhos, mas construção conjunta de longo prazo de todos os países envolvidos, incluindo muitos atores privados e subnacionais. Demanda paciência histórica e coesão regional, que vai muito além dos governos nacionais ou dos presidentes de turno.
Yamandú Orsi, presidente eleito do Uruguai, esteve nesta semana em Brasília e declarou, após encontro com Lula, que “a relação entre os países sul-americanos precisa ser mais forte do que nunca diante de um mundo convulsionado, sob intensas mudanças e com alto grau de imprevisibilidade”. Também externou expectativa positiva em relação ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Esse mesmo otimismo declaratório tinha sido manifestado nos últimos anos por mais de uma
ezena de presidentes recém-eleitos de diferentes colorações na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Dias antes, o experiente ex-mandatário uruguaio José Mujica avaliou em entrevista a um canal televisivo brasileiro que o acordo não aconteceria, principalmente pelas posições da França e Polônia. Questionado sobre qual seria o plano B, não titubeou: tratar de melhorar nossas relações com a China.
O contexto internacional atual é diferente daquele de 15 anos atrás. O aumento do protagonismo chinês, a crise do sistema multilateral, a revitalização das políticas protecionistas em vários países do norte global, redesenham as relações internacionais. Trata-se de um momento de polarização multinível que abarca também profundas divisões políticas internas em vários países do Atlântico Norte e da América Latina, regiões que perderam peso geopolítico relativo nesse período.
Isso, somado à fragmentação da governança regional e a menor interdependência econômica, tende a levar a uma corrida individual dos países a associação com as grandes potências. Hoje, a América do Sul está vulnerável às ingerências extrarregionais, fragilizando o Brasil e diminuindo seu tamanho no sistema internacional.
No primeiro mês de seu mandato, Lula esteve na Argentina e Uruguai. Em seguida visitou Washington, Pequim e as capitais europeias. Afirmou a todos a prioridade regional e o interesse de aprofundar sinergias com as principais potências extrarregionais. Isso permitiu que com 150 dias de governo, os presidentes da América do Sul de todos os espectros ideológicos se sentassem à mesma mesa para acordarem o Consenso de Brasília.
Seus nove parágrafos externavam o interesse comum de manter o diálogo político e avançar na agenda econômica. Lula apresentou 10 pontos para o debate coletivo, tais como colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento, aprofundar a identidade sul-americana também na área monetária, atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) e lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia.
De lá para cá, novas complexidades se apresentaram em nosso entorno, da Argentina de Milei à Venezuela de Maduro. Afora iniciativas pontuais com pouca concertação regional e declaração de intenções, nenhum resultado concreto significativo nos últimos 18 meses. O peso na América do Sul no comércio exterior do Brasil está estagnado em um nível bem abaixo do de 2010 e a instabilidade política e social na América do Sul aumentou. Crises com diferentes causas ganham contorno, por exemplo, na Bolívia, Equador e Peru.
Há, portanto, muito a ser feito no próximo biênio e alguns caminhos se apresentam se não repetirmos os erros da última década.
Mujica nos sugere que nossa relação com terceiros deve ser construída regionalmente. Independentemente dos avanços nas negociações em curso com a União Europeia, devemos entender que integração econômica vai muito além de acordos comerciais e envolve, por exemplo, integração financeira e de infraestrutura. A agenda do Mercosul, que agora conta também com a Bolívia, e do conjunto da América do Sul, deve ser atualizada ao novo cenário.
Devemos retornar e liderar a modernização do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos, um instrumento financeiro para promover o comércio intrarregional no âmbito da  Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), cuja sede está em Montevideu. Ao mesmo tempo, o Brasil deve entrar no Fundo Latino-Americano de Reservas, como fizeram Chile, Paraguai e Uruguai no período de auge da integração. Esses dois mecanismos regionais ampliam a possibilidade de sinergias entre a América do Sul e os Brics. Coincidentemente, o Brasil preside o Brics, justo quando o bloco prioriza alternativas financeiras ao monopólio do dólar.
Sobre infraestrutura, um risco do relacionamento exclusivamente bilateral entre os vizinhos e potências extrarregionais, como tem prevalecido nos últimos anos, é que os projetos liguem apenas jazidas e áreas agrícolas a grandes portos, desintegrando a região. A revitalização do Cosiplan e o estabelecimento de um mercado sul-americano de energia são as bases para que a América do Sul construa sua capacidade de planejamento, defina em conjunto suas prioridades e regras para poder estabelecer sinergias adequadas com atores externos. A partir daí, estaremos prontos para participar da Nova Rota da Seda e eventuais iniciativas similares da Europa e dos Estados Unidos.

Pedro Silva Barros - Opinião
postado em 01/12/2024 06:00
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