Instituições

Poder público precisa ser proativo no desenho dos novos futuros

O cenário de policrise desafia as instituições, sobretudo as públicas, a desenvolverem sua habilidade de imaginar e antecipar cenários possíveis

Graciela Selaimen — Diretora-executiva do Instituto Toriba, consultora sênior na The International Resource for Impact and Storytelling (IRIS), membro do Conselho Diretor da Oxfam Brasil e do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec)

Vivemos em um mundo de múltiplas urgências. A emergência climática, o desmantelamento de uma infraestrutura global de governanças, guerras persistentes e os governos de extrema-direita nos mostram tudo isso. Esse cenário desafiador de policrise distancia o mundo da justiça social, ambiental e econômica e desafia as instituições, sobretudo as públicas, a desenvolverem sua habilidade de imaginar e antecipar cenários possíveis, algo já corriqueiro nas empresas e em alguns governos, como os da Inglaterra, da França, da Finlândia e do Canadá. 

Por tudo isso, está mais do que na hora de os Estados incorporarem em suas práticas novas formas de fazer seu trabalho — ou seja, novas metodologias, ferramentas, soluções, narrativas. Temas como esses apareceram na Semana de Inovação 2024 da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), realizada recentemente, na qual a equipe do Instituto Toriba conduziu um painel sobre o Estado como indutor do cuidado com as futuras gerações e uma oficina para servidores sobre o futuro do cuidado e o cuidado do futuro. 

A escolha do tema da edição deste ano foi bastante feliz. Esse cuidado é um compromisso já assumido por governos que inovaram na forma de elaborar e avaliar políticas públicas. Um exemplo emblemático é a Lei de Bem-Estar das Gerações Futuras do País de Gales, uma legislação que exige que os órgãos públicos considerem o impacto de longo prazo de suas decisões. O recém-aprovado Pacto para o Futuro das Nações Unidas inclui a Declaração sobre Futuras Gerações, que reconhece que gerenciar crises de curto prazo é insuficiente para os desafios atuais e convida governos e organizações multilaterais a priorizarem o pensamento de longo prazo nas políticas, no planejamento e nas ações para assegurar melhores resultados às gerações atuais e futuras.

Infelizmente, o horizonte da maioria dos tomadores de decisão política está restrito à próxima eleição. A visão de curto prazo na governança precisa ser tratada com urgência, especialmente diante da velocidade das mudanças atuais. Se não ampliarem seus horizontes temporais, os governos continuarão sempre operando no imediatismo e de forma reativa. Mudar essa lógica e reservar tempo, espaços institucionais e recursos humanos e financeiros para exercitar desenhos de futuros é mais importante do que nunca. Não se preparar para cenários possíveis e por vir é, na verdade, um risco gigantesco. 

Como os governos nacional e estadual estão se preparando agora para os cenários climáticos possíveis para evitar tragédias como a do Rio Grande do Sul? Que políticas educacionais e trabalhistas nacionais servem, de fato, às futuras gerações num mundo mediado por inteligência artificial? Que novas instituições precisam ser desenhadas para melhorar a educação, a saúde e a segurança diante da falência de sistemas criados em outros séculos, mas que continuam operando?

É urgente, portanto, que os governos estejam abertos a novas possibilidades de formular e testar políticas, abram mão de crenças e estruturas ultrapassadas e dediquem-se a elaborar ações olhando para possibilidades de futuros. Isso permite aos gestores públicos tomar, desde já, medidas concretas na direção de cenários desejáveis e prevenir-se e adaptar-se antes de as emergências acontecerem. A Estratégia Brasil 2050, liderada pela Secretaria Nacional de Planejamento, é um passo nessa direção. O desafio, hoje, é mobilizar múltiplos atores sociais para participar efetivamente de sua construção.  

Estratégias e políticas de futuro devem, de forma indispensável, contar com a contribuição ativa de pessoas com lugares de fala distintos e diversidade de origens geográficas, gênero, raça, etnia, idade e setores da sociedade. Todos devem ter o direito de criar novas perspectivas sobre nosso futuro como sociedade. Além disso, promover a alfabetização em futuros é capaz de melhorar em muito as dinâmicas humanas e institucionais, inclusive nas próprias entidades públicas, porque reaviva o sentido positivo das utopias.

Temos o desafio urgente de deixarmos de apenas aceitar futuros aparentemente inexoráveis, em geral catastróficos e paralisantes, e partir para a ação de desenhar e testar o novo, com a perspectiva de ir além, de ver o que é mais possível, e acreditando que outros futuros podem, e devem, ser criados e narrados. Esse é um grande convite do nosso presente. 

 

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