Artigo

Cotas raciais são reparação histórica 

Há necessidade de os governos e o parlamento produzirem medidas inclusivas e de inserção no mercado de trabalho como forma de combater as desigualdades sociais e a pobreza que atingem pesadamente a população negra do país

Zenaide Maia (PSB-RN)* 

O Brasil deve aos que foram massacrados durante séculos nesta terra. Como procuradora Especial da Mulher no Senado Federal e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa, defendi o feriado nacional do dia da Consciência Negra, 20 de novembro, como data simbólica que obriga o Brasil a reparar, com políticas públicas e mudança estrutural nos valores sociais, uma dívida impagável decorrente de mais de 300 anos de escravização da população negra. 

Ressalto ações de nosso mandato em favor dessa causa, como o voto a favor de cotas raciais, o lançamento de um guia para candidaturas femininas negras, a assinatura de um acordo de cooperação entre governo federal e Senado para ações antirracismo, além da relatoria da lei de igualdade salarial para homens e mulheres.   

As leis de cotas raciais no serviço público e nas universidades, por exemplo, são ações inclusivas, democratizantes e reparatórias essenciais para, ao menos parcialmente, reverter o alijamento de homens e mulheres negros de espaços de decisão historicamente dominados e exclusivamente acessados pela população branca no país. 

Não só votei a favor, mas faço uma defesa engajada das cotas raciais para os descendentes dos negros escravizados no Brasil por mais de três séculos. Navios negreiros são o retrato da barbárie que a escravidão fez com o povo africano trazido a esse território para trabalhos forçados em um regime de brutalidade inominável, com morte, tortura, violência, extermínio, condenação à miséria e à exploração predatória por parte dos senhores de engenho e da burguesia. Ninguém viu na história navios 'branqueiros', nunca traficaram brancos para serem escravizados. 

Reforço a necessidade de os governos e o parlamento produzirem medidas inclusivas e de inserção no mercado de trabalho como forma de combater as desigualdades sociais e a pobreza que atingem pesadamente a população negra do país.  

Nesse sentido, como relatora da lei da igualdade salarial entre homens e mulheres que ocupem a mesma função, destaco o que ouvi de especialistas no Senado: que mulheres e as pessoas negras ganham menos, relativamente aos homens e às pessoas brancas, por terem maior presença em setores de atividade econômica com pior remuneração, contratos de trabalho mais precarizados (informais, tempo parcial, intermitentes), diferenças de escolaridade e de disponibilidade para o trabalho (afazeres domésticos, cuidados de crianças, idosos etc. 

O Dia da Consciência Negra é uma data de importância fundamental não só para o Brasil refletir sobre seu compromisso de reparação histórica em favor do povo negro, mas para reforçar o pacto social contra o crime de racismo e contra a pobreza. A realidade é marcada opressão ao povo negro, que, após a escravidão, foi relegado ao abandono pelo Estado brasileiro, teve que ir para periferias e morros sem ter nada para recomeçar a vida, continuou sofrendo analfabetismo, violência, perseguição e silenciamento. A sociedade brasileira lhes deve essas cotas. 

Os negros são maioria da população brasileira, mais de 56%, grupo que reúne pretos e pardos, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também reforço a necessidade de os governos e o parlamento produzirem medidas inclusivas e de inserção no mercado de trabalho, haja vista que pesquisa recente do IBGE mostrou que o desemprego é maior entre mulheres e negros. 

No recorte por cor ou raça, o IBGE verificou que a taxa de desocupação, no primeiro trimestre deste ano, era de 11,3% entre os que se autodeclararam pretos, 10,1% entre os pardos e 6,8% entre os brancos. A maior taxa de desocupação entre mulheres e entre pessoas de cor preta e parda reflete, infelizmente, um padrão estrutural do Brasil. Homens e brancos, sabemos todos, têm mais privilégios. 

Quero saudar especialmente as mulheres e homens negros eleitos no Congresso Nacional. Com especial carinho, deixo meu abraço de admiração a meu colega senador Paulo Paim, que compôs a chamada Bancada Negra, nos anos 1980, e aproximou a luta sindical do combate ao racismo, chaga nacional muitas vezes camuflada e que ainda impera em nossa sociedade. 

Ressalto, por fim, que o Brasil tem uma dívida histórica com o povo negro por tê-lo torturado em 388 anos de escravidão. O 20 de novembro é para reafirmar a consciência nacional suprapartidária contra o racismo e a favor da igualdade de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras. 

 *Senadora da República, procuradora Especial da mulher no Senado Federal e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal

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