Opinião

Artigo: Gestão exemplar e UnB consolidada

Os novos dirigentes encontrarão uma UnB academicamente consolidada, financeiramente organizada e com respeitabilidade nacional reconhecida e receberão a nobre tarefa de manter as conquistas já consolidadas

Volnei Garrafa* 

Com mais de 60 anos de vida, a Universidade de Brasília (UnB) ocupa lugar de reconhecido destaque entre as instituições de ensino superior no Brasil e na América Latina. Um dos orgulhos de Brasília, ela figura hoje entre as organizações públicas mais respeitadas e queridas da capital do país. 

Criada em 1961, no período anterior ao golpe de 1964, com a missão de reestruturar a educação superior brasileira, a UnB passou por episódios de apreensão e angústias que variaram de invasões policiais a greves de resistência a força bruta e cortes orçamentários, do "desaparecimento" de estudantes a demissões e exílios de professores, de intervenção militar na sua condução a conquista de eleições democráticas para sua reitoria a partir de 1985. Todas essas experiências, historicamente acumuladas, acabaram servindo de estímulo ao seu aprimoramento e sua consolidação neste início de século 21 como a mais importante universidade da região central do país. 

Nessa trajetória, a UnB passou mais de meio século até o dia de uma mulher ser eleita para seu cargo mais importante. Márcia Abrahão Moura, que encerra, nesta semana, oito anos de gestão, conseguiu com rara habilidade e permanente empenho congregar os requisitos indispensáveis à condução de uma universidade de tamanho porte: reconhecimento acadêmico por seus pares, capacidade gestora, habilidade política e coragem pessoal. 

O reconhecimento acadêmico foi natural, ancorado na sólida formação profissional adquirida em área avaliada entre as mais qualificadas da UnB, a geologia. Na UnB, exerceu os principais cargos administrativos, desde diretora do Instituto de Geociências até decana de Ensino de Graduação, quando coordenou o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a ampliação do câmpus de Planaltina e a criação dos campi do Gama e Ceilândia. Mais recentemente, entre 2021 e 2024, foi também diretora e, depois, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

A capacidade gestora é também requisito decisivo para um bom mandato. Nesse sentido, Márcia Abrahão foi testada durante todo seu período à frente da Reitoria. Além dos cortes de recursos, especialmente para custeios das chamadas "despesas correntes", enfrentou o espinhoso período da pandemia mundial de covid-19. Com determinação e firmeza, organizou as ações institucionais necessárias que lograram minimizar as agudas situações, recuperando o calendário acadêmico e o andamento das metas educacionais na graduação e pós-graduação no menor tempo possível. Tendo assumido a UnB com quase duas dezenas de obras inconclusas, cuidou de terminá-las, buscando diferentes formas de captação de recursos.

Uma gestão à frente da universidade federal sediada na capital do país não seria exitosa se quem a conduzisse não tivesse a necessária habilidade para transitar em diferentes espaços políticos, ligados aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, à sociedade civil e às forças armadas e policiais. As articuladas posições da reitora frente às tentativas de desmonte das universidades, especialmente nos anos iniciais da sua gestão, foram exemplares no contexto nacional da luta em defesa do ensino público, gratuito e de qualidade.  

Por outro lado, não foram poucos os recursos captados junto ao governo federal ou a parlamentares por meio de emendas legislativas, projetos específicos e outras formas de captação. Situações delicadas, como os repetidos atos de violência no câmpus, especialmente contra mulheres no período noturno, praticamente desapareceram a partir de soluções — algumas simples, outras mais complexas — definitivas para problemas até então recorrentes.

O último requisito para o exercício de um mandato exitoso é a coragem pessoal, característica que Márcia Abrahão demonstrou permanentemente durante seus dois mandatos. Basta recordar o desafio que foi a criação de novas formas de ingresso na universidade tendo como referência o princípio da equidade. A UnB avançou na seara da abertura de cotas especiais destinadas a grupos de pessoas excluídas, como a população negra e quilombola, LGBTQIA e, mais recentemente, com vagas específicas a pessoas acima dos 60 anos, iniciativa nacionalmente pioneira.

A universidade passou democraticamente por eleições que definiram seus rumos para os próximos quatro anos. Ao mesmo tempo em que os novos dirigentes encontrarão uma instituição academicamente consolidada, financeiramente organizada e com respeitabilidade nacional reconhecida, receberão a nobre tarefa de manter as conquistas já consolidadas, além do compromisso histórico que já é marca da UnB: avançar sempre e com qualidade.

Doutor em ciências com pós-doutoramento em bioética, é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)*

 

Mais Lidas