Há quem diga que não existem coincidências, mas, sim, convergências e situações que se encontram. Acredito firmemente nisso. Eu estava no Tribunal de Justiça quando um senhor de meia-idade, vestido de toga, veio na minha direção perguntando se tinha interesse, como estudante de direito, de acompanhar audiências na Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas (Vepma). Mais do que de pressa aceitei, jamais poderia imaginar que essa oportunidade me daria a chance de passar um dia ao lado de um dos seres mais iluminados com quem me deparei nos últimos tempos.
No caso, o homem togado que me chamou era o juiz titular da Vepma, Gilmar Tadeu Soriano, de 62 anos. Sensível, educado e cuidadoso, esse magistrado conversa com cada acusado, que aguarda sua sentença em liberdade, explica os casos detalhadamente e, ainda, antes de proferir a decisão, encaminha para uma sessão com a psicologia e o serviço social. "São pessoas, homens e mulheres que podem ter errado, mas têm seus direitos e devem conhecê-los", explicou ele.
Assim, pacientemente, Sua Excelência de pé conversou com os que aguardavam "sua hora". Tensão e apreensão no ar, alguns dos presentes pareciam dar pouca ou nenhuma importância, outros estavam tão intimidados com a incerteza do que lhe aconteceria que nem piscavam. O juiz, utilizando a linguagem mais simples e clara o possível, explicava caso a caso. Impressionante. Não sabia se eu gostava mais da postura dele diante daquelas pessoas que esperavam sua sentença ou se pela essência do que ele ali demonstrava ser verdadeiramente.
"Os senhores entenderam? Têm alguma dúvida?", perguntava o magistrado a cada duas ou três frases. "Vejam bem, muitos aqui receberão medidas alternativas, outros não poderão deixar o Distrito Federal por um certo tempo. É uma determinação da Justiça, não pode descumprir, está compreendido?", ressaltava ele, após responder a questões pontuais.
Ao fim das audiências, o juiz Soriano fazia a contabilidade: a meta é não acumular nem adiar decisões. Incrivelmente, ele consegue. Vendo meu interesse, ainda dispensou mais atenção. A Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas se destina a julgar delitos em que cabem medidas de ressocialização. Ainda assim, há situações muito delicadas. Sem entrar em detalhes e guardando todo o sigilo, o magistrado observou: "Infelizmente, o ser humano tem um lado sombrio e obscuro que, conforme as circunstâncias e oportunidades, pode surgir na sua pior forma".
Conviver por um dia com um juiz como Gilmar Soriano fez com que eu voltasse a acreditar na força do nosso Rui Barbosa, o "Águia de Haia", que lutou pelo direito à voz das pequenas potências, em Luís Gama, jurista negro e referência no combate ao preconceito e racismo, e, no eterno, sempre ele, Sobral Pinto, católico fervoroso, que não pensou duas vezes em defender Luís Carlos Prestes e tantos outros. Dá orgulho e confiança pensar que a sociedade não tem de aguardar a Justiça de Deus porque há pessoas de bem que conduzem a justiça humana.