Artigo

Basta de ameaça nuclear

A partir de agora, a Rússia se reserva o direito de utilizar esse tipo de arsenal caso seja agredido por um país não nuclear, desde que apoiado por uma potência atômica

A guerra entre Rússia e Ucrânia completa, hoje, mil dias. Não há qualquer expectativa real de paz, exceto retórica e promessa de campanha do presidente eleito dos Estados Unidos Donald Trump. Ele prometeu acabar com a guerra em 2025, mas não explicou como nem se lembrou de que é preciso combinar bem isso com os russos. Decidi escrever este artigo não apenas pela efeméride da data, mas por dois desdobramentos de impacto no front.

Dois dias depois de receber autorização da Casa Branca, a Ucrânia disparou, pela primeira vez, mísseis de longo alcance americanos do sistema ATACMS contra o território da Rússia. Por sua vez, o presidente russo, Vladimir Putin, aprovou uma modificação na doutrina nuclear e avalizou o uso de armas nucleares contra ataques ao seu país. A partir de agora, a Rússia se reserva o direito de utilizar esse tipo de arsenal caso seja agredido por um país não nuclear, desde que apoiado por uma potência atômica.

Nos últimos meses, Putin e assessores aventaram a possibilidade de lançar mão desse armamento na Ucrânia. Qualquer um sabe que armas nucleares são, basicamente, dissuasivas. Nos últimos 79 anos, elas jamais voltaram a ser usadas, exceto em testes esporádicos. Além das mortes em massa e do espalhamento de radiação, o ataque atômico pode desencadear uma reação em cadeia, com uma retaliação proporcional. Em vez de fazer ameaças alusivas ao arsenal atômico, Putin deveria retirar suas tropas e se engajar em uma negociação para pôr fim à guerra com a Ucrânia. A Rússia e as demais potências nucleares, por sua vez, deveriam se comprometer com o tratado de não proliferação e começar a desmantelar o arsenal de destruição em massa, cujo único propósito está no próprio nome.

Além do risco de uma guerra nuclear, o conflito na Ucrânia traz o perigo de uma escalada regional. Seja intencionalmente, seja por erro de cálculo, qualquer míssil russo que cair em território pertencente a um país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pode ser a justificativa para uma resposta imediata e proporcional contra a Rússia. O Artigo 5º do Tratado da Otan determina que "um ataque armado contra um ou mais países-membros é considerado um ataque contra todos os membros". Sob essa hipótese, isso equivaleria a uma guerra aberta entre a Rússia e o Ocidente. Esse artigo foi invocado apenas uma vez, em resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos.

A guerra de mil dias, completados hoje, trouxe apenas dor, horror e sofrimento. Milhares de crianças ucranianas foram capturadas e levadas para a Rússia, em um processo de aculturação visto em outros conflitos e genocídios do passado. Famílias mergulharam no luto ou foram separadas. A rotina de bombardeios tornou-se "comum". É preciso que o mundo dê um basta nisso.

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