Opinião

Artigo: Brasília não pode ficar de fora da nova Rota de Seda

O Distrito Federal não tem dado atenção ao projeto da nova Rota da Seda. Um erro estratégico, de quem não olha pro futuro

Chico Sant’Anna*

Peru e China acabam de inaugurar o megaporto de Chancay, a 80km ao norte de Lima, capital peruana. Construído a um custo de US$ 3,6 bilhões, esse porto de águas profundas (cerca de 18 metros) é o maior da América Latina, com capacidade de receber navios de grande calado. Em visita a Brasília, o presidente da China, Xi Jinping, assinará tratados com o Brasil —  entre os quais, deve estar a construção de uma ferrovia Pacifico-Atlântico, facilitando, assim, o transporte de mercadoria de toda região, em especial grãos e minérios do Brasil.

Trata-se de um projeto-chave no âmbito da nova Rota da Seda, que tem a previsão de construir rotas e modais alternativos, em especial, à travessia do Canal do Panamá. Uma ferrovia ligando o Atlântico ao Pacifico, associado a um grande porto, reduziria em 10 dias as viagens de mercadorias entre a Ásia e a América do Sul. É um projeto com potencial de mudar o eixo econômico do planeta. Vital para o Brasil dos próximos anos, quiçá de séculos. Brasília, se quiser pensar no seu futuro, não pode ficar de fora da nova Rota de Seda.

Há mais de uma proposta de trajeto de ferrovias. A Transoceânica, um projeto Brasil e Peru com extensão de 5 mil km, chegaria ao Porto de Açu, no Rio de Janeiro; já a Bioceânica, conectaria os portos de Iquique, no Peru, e Antofagasta, no Chile, ao Porto de Santos, passando antes por Bolívia, Paraguai e Argentina; e, por fim, a linha interligando Antofagasta ao Porto de Paranaguá, no Paraná — nesse roteiro, sem passar pela Bolívia e pelo Paraguai.

Governos de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e mesmo o da Bahia têm agido fortemente para fazer com que os trilhos passem por seus estados, trazendo, acima de tudo, desenvolvimento. Até aqui, pelo que se sabe, o Distrito Federal não tem dado atenção a esse projeto. Um erro estratégico, de quem não olha pro futuro.

A China é o principal destino das exportações brasilienses, 29,02% de tudo que o DF exporta. Basicamente, os chineses compram produtos de origem vegetal. Segundo dados do Sebrae, foram US$ 45 milhões em 2019. O Japão, que também poderia ser beneficiado, está em quarto lugar e absorve 7,5%, cerca de US$ 11,6 milhões.

Não se trata, contudo, apenas do que aqui poderia ser embarcado, mas principalmente do que aqui poderia desembarcar. Estando no centro geográfico do Brasil, ter uma ferrovia desse porte passando por aqui pode transformar o DF em um importante hub de distribuição e captação de mercadorias para outros cantos do país. O Porto Seco, já instalado na cidade de Santa Maria, poderia ganhar impulso especial. A chegada de sais para a produção de fármacos, de componentes para a produção de eletrônicos e de tantas outras matérias-primas poderia projetar para o futuro um modelo de desenvolvimento econômico sustentável, diferenciado, baseado na ciência e na tecnologia para o nosso quadradinho. Até mesmo o projeto do Parque Tecnológico de Brasília - BioTIC poderia ganhar um diferencial.

A economia candanga baseia-se hoje no setor de serviços, na renda produzida pelo serviço público, pela indústria da construção civil e seu coirmão, o setor imobiliário. Um padrão econômico que não se sustentará por muito tempo. Não haverá tantos viadutos a serem construídos, e a expansão urbana tem um limite físico. Em 2018, a então empresa de planejamento do GDF, Codeplan, apontou que uma infraestrutura ferroviária — na época, o estudo era a conexão com a Ferrovia Norte-Sul — "traria à região mudança de atividades econômicas, padrão de produção, criação de emprego, valorização da terra, entre outras vantagens". Portanto, urge que o GDF dê atenção às disputas que ocorrem nos gabinetes federais e que definirão a rota da linha do trem.

Dos três projetos que estão nas pranchetas, o da ferrovia Transoceânica é o que passa mais próximo de Brasília. A ferrovia entra em território brasileiro pelo Acre, passa por Rondônia e Mato Grosso. Em Goiás, antes de seguir para Corinto, em Minas, ela transita por Uruaçu, que dista apenas 260km de Brasília. Em Uruaçu, também passa a ferrovia Norte-Sul, que interliga Anápolis a Açailândia, no Pará. Dessa maneira, se a Transoceânica passasse pelo Distrito Federal, uma conexão férrea com o norte do Brasil também seria propiciada à Brasília.

No Brasil, o transporte ferroviário de mercadorias representa 20,7% do total. Já no DF, menos de um ponto percentual (0,12%). Sendo assim, há muito espaço para que os trens tenham um peso maior na logística e na economia candangas. A própria Codeplan admite que o DF tem sido tímido em planejar e construir infraestruturas ferroviárias para enfrentar a circulação de carga no Distrito Federal. A hora de mudar esse comportamento é agora.

Jornalista*

 


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