Opinião

O necessário imposto dos super-ricos

A taxação dos super-ricos contribuiria para combater as desigualdades não somente de renda, mas, também, de gênero e raça

Nathalie Beghin*

A proposta da presidência brasileira do G20 de taxar os super-ricos é urgente e necessária, pois, no mundo todo, as pessoas mais abastadas são as que proporcionalmente pagam menos impostos. Essa situação, além de ser profundamente injusta, contribui para aumentar as desigualdades e diminuir a disponibilidade de recursos públicos, cada vez mais necessários para fazer face aos desafios globais da contemporaneidade — particularmente a fome, a pobreza e as mudanças climáticas.

O estudo encomendado pelo Brasil ao economista francês Gabriel Zucman evidencia que, se os 65 mil centimilionários (com riqueza acima de U$ 100 milhões) forem taxados com um imposto mínimo de 3% sobre seus patrimônios, seria possível mobilizar até U$ 688 bilhões por ano, valor próximo ao Produto Interno Bruto (PIB) da Bélgica, que foi de U$ 632 bilhões em 2023, de acordo com o Banco Mundial.

No Brasil, não é diferente. Análise recentemente publicada pelo economista Sergio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revela que a concentração de renda no topo da pirâmide social brasileira aumentou expressivamente entre 2017 e 2022, pois os rendimentos dos mais ricos cresceram muito mais do que a renda média brasileira. Enquanto a maioria da população adulta (95%) viu sua renda aumentar apenas 1,6% em termos reais no período de cinco anos, a variação registrada pelos 0,1% do topo foi de 42% acima da inflação. E entre os 15 mil milionários que compõem o 0,01% mais rico, o crescimento foi ainda maior: 49%.

Não é aceitável que, em um país com tantas pessoas empobrecidas, situação agravada pelos crescentes impactos das mudanças climáticas, os mais ricos tenham sua renda expandida a velocidade tão superior aos demais e, ainda por cima, paguem de imposto menos de 8% sobre tudo que ganham, como mostram os dados das declarações de IRPF no Brasil. Esse quadro precisa ser urgentemente alterado, seja por meio da volta da tributação de lucros e dividendos distribuídos, seja por meio de um imposto mínimo sobre a renda dos milionários. 

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e seus pesquisadores associados realizaram simulações de quanto seria possível mobilizar de recursos públicos adicionais sob diferentes arranjos tributários. Por exemplo, se a renda total dos milionários brasileiros fosse submetida a um imposto mínimo de 18%, seria possível arrecadar cerca de R$ 98 bilhões por ano.

Esse valor corresponde a 23 vezes o orçamento do Ministério de Meio Ambiente e Clima, que foi de R$ 4,3 bilhões em 2023. Ou cerca de 20 vezes o orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), conhecido como Merenda Escolar, de aproximadamente R$ 5 bilhões em 2023.

Além do aporte de recursos novos para a implementação de políticas públicas, uma medida dessa natureza contribuiria para combater as desigualdades não somente de renda, mas, também, de gênero e raça. Com efeito, o seleto grupo de 300 mil milionários, que corresponde a cerca de 0,2% da população, é majoritariamente integrado por homens brancos.

As desigualdades raciais e de gênero são tão brutais no país que as pessoas negras, embora representem 54% dos adultos, totalizam 70% do décimo mais pobre da população — ou seja, dos 10% da população com menores rendimentos, de acordo com estimativas do Made/USP. Por outro lado, no topo 1% da renda, essa participação é reduzida para 19,5%, enquanto os homens brancos, por exemplo, representam 57% desse segmento, uma proporção que se eleva para 83% quando nos restringimos aos 0,1% mais ricos. Assim, como destaca o Made/USP, o 1% dos homens brancos ricos recebem mais que todas as mulheres negras do Brasil.

Para que um imposto mínimo sobre a renda dos super-ricos possa ser implementado no Brasil e no mundo, é preciso que os países cooperem entre si para combater a evasão de recursos que resultaria de medidas dessa natureza. Daí a importância de os países do G20 apoiarem a construção e a implementação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITCC, na sua sigla em inglês). Trata-se de mecanismo indispensável para o intercâmbio de informações tributárias entre países para combater a sonegação de impostos e enfrentar os paraísos fiscais, entre outras ações.

Integrante do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)*

 

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