ARTIGO

G20 e a tentativa da construção de um mundo multipolar

O fomento do G20 e sua maior organicidade neste ano decorre, em boa medida, da crise de efetividade e paralisia das instituições mais tradicionais em dar respostas neste cenário de divergentes tensões

Gustavo Menon — Coordenador do curso de Relações Internacionais na Universidade Católica de Brasília (UCB) e docente no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam-USP)

Em um mundo marcado por diversos conflitos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, o massacre em Gaza e as tensões comerciais entre potências, inicia-se, na cidade do Rio de Janeiro, o G20, sob a presidência brasileira. Nesse sentido, para equacionar a crise do multilateralismo no âmbito das relações internacionais, um dos principais desafios da diplomacia brasileira no novo milênio é tentar estimular debates para criar ou refundar instituições que sirvam de espaço de diálogo e cooperação, visando instalar uma convivência pacífica entre os países na construção de uma ordem multipolar.

Como se sabe, na concertação entre as nações, muitas dessas organizações foram edificadas após a eclosão de crises e guerras que alteraram substancialmente o sistema internacional. Nesse contexto, podemos citar a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), tributária das duas grandes guerras na primeira metade do século 20.

A história do G20 não é diferente. Também está associada a uma forte crise econômica na transição do século 20 para o século 21, nos países asiáticos e em outras economias periféricas. À esteira desse processo, em 2008, a crise nos Estados Unidos instaurou o debate sobre os caminhos da globalização na contemporaneidade. Tal crise, iniciada no setor financeiro, imobiliário e bancário, provocou um cenário de crise sistêmica que se espalhou para diversos países, resultando em uma recessão mundial e na perda de inúmeros empregos. A chamada crise do subprime levantou a seguinte pergunta: estamos governando a globalização ou a globalização nos governa?

Dessa forma, o fomento do G20 e sua maior organicidade neste ano decorre, em boa medida, da crise de efetividade e paralisia das instituições mais tradicionais em dar respostas neste cenário de divergentes tensões no campo geopolítico e na economia política internacional. As reformas dos mecanismos de governança global custam em se materializar, e a implementação da agenda 2030 está seriamente comprometida diante desse quadro de cruzamento de crises.

 Não obstante, a criação de espaços alternativos de diálogo, que podem subsidiar, ampliar e revisitar (e não substituir) as chamadas instituições de Bretton Woods podem ser instrumentos essenciais para os desafios desta primeira metade do século 21. Sabemos que os desafios demandam saídas coletivas, coordenadas entre os países, para o enfrentamento de diversos problemas transnacionais.

Mesmo que não possa ser equiparado a organizações internacionais formalmente estabelecidas, com a composição de um tratado constituinte e uma estrutura formal, o G20 também faz parte desse esforço de fortalecimento da governança global para caminharmos em direção à construção de um mundo ambientalmente sustentável, socialmente justo e economicamente viável.

Trata-se de um grupo concebido diante da ideia de que os Estados devem trocar experiências e estabelecer um fórum para a adoção de ações coletivas, visando o fortalecimento do multilateralismo e a criação de uma ordem multipolar. Vale dizer que os problemas da humanidade não podem ser equacionados apenas pelos atores das economias ricas, do chamado G7.

Nos debates sobre diplomacia, paz e segurança internacional, por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU é frequentemente criticado por suas falhas em prevenir ou dirimir conflitos, quase sempre sendo um espaço em que as discussões são interditadas pelo poder de veto de um dos seus cinco membro permanentes e pela baixíssima representatividade no órgão.

Na esfera comercial, é evidente a fragilidade das ações da Organização Internacional do Comércio (OMC) em razão da ação deliberada de seus membros em não cumprir as normas ou impedir o pleno funcionamento de seu mecanismo de solução de controvérsias. Tais instituições já não refletem a realidade geopolítica do século 21. Nessa quadra histórica, não são poucas as forças que preconizam hoje discursos ultranacionalistas e negacionistas advogando saídas autoritárias e neofascistas para esse cenário de descrédito e crise das organizações internacionais. 

A despeito de sua informalidade, o G20 expressa, em nosso tempo de conflagrações, um papel central no esforço de tentar retomar os canais de diálogo da comunidade internacional. Gestado para tratar de questões exclusivamente no campo econômico-financeiro, no chamado G20 Financeiro, aos poucos expandiu seu raio de atuação para lidar com questões de saúde, emprego, energia, soberania alimentar, migrações, entre outros temas da agenda internacional contemporânea. Segundo os próprios números, atualmente representa mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população mundial.

Sob a presidência brasileira, questões de gênero também entraram na ordem do dia e o constante diálogo com a sociedade civil e o meio acadêmico se faz valer nos chamados grupos de engajamento e no G20 Social. Para a realização de sua reunião de cúpula nesta semana, a liderança do Brasil no G20 evocou o seguinte lema Construindo um mundo justo e um planeta sustentável. Diversas autoridades estão confirmadas. Neste período de crescente descrédito no multilateralismo e no regionalismo e adoção de respostas unilaterais por parte dos países, o G20 reafirma sua convicção de que os esforços de cooperação e diálogo em nível internacional são o único caminho para equacionar os desafios da humanidade, que são necessariamente transfronteiriços. 

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