Opinião

Rio Grande do Sul também é terra de negras e negros

Urge reafirmar que negras e negros estiveram presentes desde antes da ocupação oficial da província sulina

Lúcia Regina Brito PereiraProfessora doutora em história

Esta escrita foi instigada a partir da fala do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao visitar o Rio Grande do Sul, em 15 de maio de 2024, quando fez a seguinte declaração: "(...) É impressionante, eu não tinha noção de que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra (...)". A visita ocorreu em função da crise climática que afetou o estado, configurando-se na maior enchente que se tem registro na história. 

A fala do presidente Lula reflete o pensamento corrente de que o progresso do Rio Grande do Sul deve-se à imigração europeia. Entretanto, urge reafirmar que negras e negros estiveram presentes desde antes da ocupação oficial da província sulina. Foram a base da mão de obra no período das charqueadas, no século 19. Desataca-se os lanceiros negros, que, em busca de liberdade, integraram as tropas rebeldes na guerra dos Farrapos, ocorrida entre 1835 e 1845. 

Nesse evento, ocorre a Traição de Porongos, ação ordenada por David Canabarro, um dos líderes republicanos que desarmou os lanceiros no campo de batalha, foram atacados pelas tropas imperiais, resultando na morte de cerca de cem homens. Essa triste ocorrência pôs fim à guerra, e os sobreviventes retornaram como cativos e enviados para a província do Rio de Janeiro. A Guerra dos Farrapos, orgulho da tradição gaúcha, na realidade traz essa vergonhosa passagem em sua história. 

O Rio Grande do Sul tem uma população de 11,29 milhões de pessoas, sendo 22% desse total pessoas negras, e uma população quilombola de 17,5 mil pessoas. O estado tem 146 comunidades quilombolas, distribuídas em 70 municípios. Porto Alegre, a capital, concentra o maior número, com cerca de 2,2 mil pessoas em 11 comunidades. Das comunidades urbanas, destaca-se o Quilombo da Família Silva, primeiro quilombo urbano titulado no Brasil e que, neste ano, completa 15 anos de titulação fundiária.

A Sociedade Floresta Aurora, uma das instituições negras mais antigas do país, com 152 anos de fundação, registra em sua história encontros sobre educação na década de 1980. Organizados, entre outras, pelas professoras Vera Tribuno, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, e Vera Neusa Lopes, os eventos reuniam expoentes nacionais preocupadas/os com a inclusão da educação negra nos currículos. Também centenária é a Associação Satélite Prontidão, com 122 anos, nos quais tem registrado ações como o pré-vestibular para pessoas vulneráveis e as reuniões de conscientização racial. 

O Grupo Palmares foi criado em 20 de julho de 1971, na cidade de Porto Alegre, por Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Oliveira Silveira e integrado por mulheres em um segundo momento (1972-1978). Em reportagem do jornal Zero Hora de 1972, apresentaram o manifesto em que denunciaram o racismo no país e instituíram o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como data representativa da população negra. O manifesto foi publicado no Jornal do Brasil e ampliou o debate, culminando na aprovação, em assembleia nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, na Bahia, do Dia Nacional da Consciência Negra. Agora, é feriado nacional — o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra —, sancionado pelo presidente Lula em 21 de dezembro de 2023.

As mulheres negras gaúchas sempre atuaram para a equidade e a promoção de políticas públicas para a população negra em todas as esferas sociais. No contexto dos anos 1980, precisamente em 8 de março de 1987, nasce o Maria Mulher, Grupo de Mulheres Negras. Em 2001, institucionaliza-se como Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras, uma das primeiras organizações de mulheres negras cuja ação foi e é fundamental na luta contra o racismo e o sexismo. A organização destaca-se como fundadora e integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), responsável pela articulação e mobilização das pré-conferências nacionais para a Terceira Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela ONU em setembro de 2001 na cidade de Durban, na África do Sul. 

A presença negra no Rio Grande do Sul, minoritária em números percentuais, não é menos importante em atos e nomes na promoção de políticas inclusivas, a exemplo da a Lei nº 12.711/29/2012, a chamada Lei de Cotas, sancionada sob a gestão da gaúcha ministra Luiza Bairros na  Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Outro destaque é a atuação da professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, gaúcha, primeira mulher negra a integrar o Conselho Nacional de Educação e relatora da Lei 10.639/2003. Negras e negros: aqui no Sul também tem!

 


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