Giuliano Galli — Coordenador executivo da área de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog; Sâmia Gabriela Teixeira — Assessora de comunicação institucional do Instituto Vladimir Herzog
Na noite de quarta-feira (13), Brasília foi palco de mais um episódio violento e emblemático de uma realidade que não pode ser ignorada: a impunidade dos que atentam contra as instituições ainda fragiliza a democracia brasileira.
Francisco Wanderley Luiz, identificado pela Polícia Federal como autor do atentado, detonou bombas na Câmara dos Deputados e em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Descrita como premeditada pelas autoridades, a ação é mais um triste e preocupante exemplo da violência política que tomou de assalto o espaço público e que tem raízes profundas em nossa história de resoluções negligenciadas. Mais do que isso: é a expressão de um radicalismo que desafia diretamente o pacto social que sustenta nossa sociedade e não pode mais ser tolerado.
Se desde a ditadura militar os responsáveis por graves violações de direitos humanos não foram devidamente responsabilizados e raramente foram punidos, temos no presente um terreno fértil para a perpetuação de ações violentas e antidemocráticas, inclusive por parte de agentes públicos. A manutenção dessa certeza de impunidade, que resguarda aqueles que atacaram e ainda atacam a democracia, coloca em risco valores e instituições que lutamos para estabelecer e preservar.
Diante de tanta selvageria e hostilidade, a extrema-direita tenta distorcer os fatos e promover uma reinterpretação do passado. Mas, na verdade, é ela a principal responsável pela conjuntura de violência e terror que teve mais um capítulo no episódio de Brasília.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, que com desfaçatez se posicionou como defensor da democracia, na verdade encoraja, de forma sistemática, um discurso violento e desestabilizador, que nos remete a seu histórico pessoal de incitação à desconfiança nos processos eleitorais e a ataques às instituições brasileiras. Sua estratégia é clara: enfraquecer a democracia e lançar dúvidas sobre a legitimidade das instituições como forma de pavimentar o caminho para um autoritarismo disfarçado de legalidade. A recente retórica bolsonarista pacifista é, portanto, uma fachada para fortalecer o projeto autoritário dos movimentos extremistas.
Enquanto ocupava cargos públicos e durante os quatro anos em que esteve na Presidência, Bolsonaro incitou ações violentas como essa mais recente em Brasília. Foi durante o governo dele que surgiu e foi institucionalizado o chamado "gabinete do ódio". Foi ele quem fez ameaças permanentes ao STF e aos ministros da Corte. Bolsonaro é, portanto, diretamente responsável por colocar, ao mesmo tempo, Francisco Wanderley Luiz no lugar de agente do terror e vítima desse movimento.
A impunidade histórica daqueles que atacam as instituições no Brasil é um dos maiores desafios para a consolidação de nossa democracia. Não podemos mais postergar a tarefa de investigar e responsabilizar os autores de atos que têm como único objetivo instaurar um clima de medo e terror e, assim, desestabilizar o regime democrático. Esse é um passo fundamental para a reconciliação nacional, que só será possível quando verdade e justiça andarem de mãos dadas.
Mais do que nunca, precisamos afastar qualquer possibilidade de anistia aos crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito e, finalmente, romper com a cultura de impunidade que se arrasta desde a ditadura militar. Não há pacificação possível que não passe, obrigatoriamente, pela responsabilização daqueles que cometeram e incentivaram atos criminosos contra a democracia.
Os atos autoritários e terroristas que têm surgido como ecos de um passado não resolvido mostram que nossa sociedade ainda carrega feridas abertas. O atentado em Brasília nada mais é do que uma extensão do 8 de janeiro, e isso deve nos servir como um lembrete doloroso da necessidade de não apenas proteger, mas também fortalecer e consolidar nosso Estado Democrático de Direito.
Sem o compromisso coletivo da sociedade civil e do Estado em torno dessa missão, voltaremos a assistir a novas investidas criminosas e violentas contra a nossa democracia, contra as nossas liberdades e, sobretudo, contra o nosso futuro. Sigamos articulando esforços para que nosso passado de ditaduras e violências não mais nos assombre. Para que nossa história seja a bússola de aprendizado para um futuro mais seguro de memória, verdade e justiça.