Odilon Caldeira Neto — Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. É coordenador do Observatório da Extrema-Direita
Um artefato explode em Brasília. Ato individual ou ação coletiva? Destrinchar esse quadro é um desafio no combate ao extremismo. Em tempos recentes, a figura do lobo solitário tem sido utilizada para explicar os métodos e estratégias empregados em atentados violentos e terroristas em vários países. Mas, em uma das frases marcantes ditas por Alexandre de Moraes, em pronunciamento sobre o atentado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) acertadamente afirmou que "o que ocorreu ontem não é um fato isolado do contexto". O pronunciamento não apenas arrefeceu os planos de anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, mas também jogou luz sobre o problema do extremismo e da escalada do discurso de ódio no país.
Em termos concretos, o conceito de lobo solitário diz respeito principalmente ao repertório de atuação — isto é, indivíduos terroristas cujas estratégias prescindem de articulação em grupos, tal como era comum no século 20, quando o terrorismo em grupos era uma estratégia comum no campo do extremismo político. Teoricamente, não há equívoco em chamar o ato recente como uma expressão solitária, mas é importante considerar alguns aspectos interligados, que fazem com que uma pessoa se mobilize para agir em ato de tamanho impacto. Isso ocorre porque há um longo processo de formação nesses atos, que envolve etapas de socialização e de repertórios comuns. Em outras palavras, é necessário enquadrar as ações aparentemente individuais em um contexto de referências coletivas. Nesses casos, o lobo solitário, mesmo agindo sozinho, faz parte de uma alcateia.
Por isso, é necessário indagar o que faz alguém se engajar em atividades terroristas. Considerar o ato como parte de uma rede de atuação e formação política é um importante ponto de partida para lidar com os impactos do extremismo. Além disso, demonstra que um indivíduo solitário na cadeia do extremismo age por uma lógica coletiva de radicalização, que podemos chamar de percurso de formação, em meio ao senso de comunidade ideológica.
Esse indivíduo não pode ser lido como um desconectado da realidade que o cerca, por mais que suas ideias possam parecer estranhas e fora do lugar. Sem dúvida, a patologização é um equívoco de abordagem ou via de escape para as pessoas envolvidas e não auxilia a enquadrar a dimensão política desse fenômeno.
Uma abordagem qualificada e sistêmica do problema deve entender que o indivíduo age sozinho, mas orientado por uma base de formação. O núcleo mais próximo desses indivíduos é formado por outros indivíduos também radicalizados, embora nem todos se disponham a agir de modo extremo fora dos meios virtuais. Nesse núcleo, há uma comunidade com marcadores ideológicos definidos no campo da extrema-direita. Na reação conjunta de negação aos valores e padrões mais amplos da sociedade e de suas instituições (no caso, as instituições da democracia liberal), forma-se uma comunidade marcada por um estilo de vida alternativo.
Mas essa comunidade não pode ser lida como dissociada de um grupo maior, que é onde há um trânsito de formação nos valores do extremismo de direita, aos quais podemos chamar de mitos mobilizadores, como o anticomunismo. Aqui, entram menos as teorias de conspiração deslocadas da racionalidade, que dá lugar às questões da realidade concreta.
Esse núcleo intermediário é o campo de hegemonia do bolsonarismo, com seus alvos, discursos e uma forte coerência interna. É um espaço de resgate de valores tradicionais, assim como de atualização, por meio de uma rede transnacional da extrema-direita. Esse setor provê um aspecto de legitimidade para o estilo de vida alternativo. Não há nada paradoxal nisso, pois aqueles que negam a instituição e a normalidade das coisas se veem representados por aqueles que são a representação política e facilitadores de seus discursos extremistas.
No topo da pirâmide, há uma dimensão institucional que funciona como mobilização das bases, inclusive aquelas mais radicais e formadas pelo sentimento anti-institucional e pelo extremismo violento. Portanto, é necessário entender que olhar o ato ocorrido como fruto de um lobo solitário não pode significar a patologização individual.
É importante a abordagem que consiga integrar o lobo solitário em uma alcateia discursiva, representativa e política que fornece referências para atos extremistas. Ou seja, os lobos solitários são parte de um problema maior, que envolve questões do campo político, a regulação das redes sociais, assim como a normalização do discurso da extrema-direita na opinião pública. Longe (ou além) de mero desvio de conduta, são expressões de um extremismo político consolidado no país e que precisa ser tratado com atenção.