Artigo

Urge salvar nosso Oréades

Estratégias diversificadas de abordar o Cerrado permitirão que as futuras gerações não só o conheçam melhor, mas, acima de tudo, se sintam responsáveis por conservá-lo

Marcelo Bizerril*, Eduardo Bessa**

Ele já recebeu vários nomes, tanto populares quanto científicos. Já foi Oréades, Sertão, Gerais, Taboleiros, com tantos outros subtipos, até o termo Cerrado se estabelecer — primeiro, para a ciência, e, depois, adotado pelos materiais didáticos e pela mídia — como o nome da paisagem do Brasil central. A sua importância é que nunca mudou, sempre foi fundamental para a América do Sul pela localização geográfica, central e elevada, que conecta os demais biomas do continente e confere estabilidade ao clima e ao fluxo dos rios que compõem bacias hidrográficas ao sul e ao norte. O Cerrado é ainda a savana com maior número de espécies de seres vivos do planeta, o que já é mais que o bastante para ser admirado e protegido.

Contudo, pesquisas na virada do século indicavam que o Cerrado era muito desvalorizado pela mídia e pela educação formal. Ignorado na maior parte das manchetes, recebia suas poucas menções quando o assunto era as queimadas. Na escola, o tratamento era mínimo, restrito às características gerais da vegetação "torta e baixa", e os professores, à época, reconheciam que o Cerrado era tratado como um ambiente distante, "como se não fosse nossa casa".

Duas décadas depois, a situação parece ter melhorado. O Cerrado já passa a ser manchete quando o tema é a devastação do Centro-Oeste e suas consequentes ameaças ao clima. Também os povos indígenas, quilombolas e a cultura cerratense começam a frequentar o noticiário cotidiano. Já nas escolas, apesar da produção de materiais didáticos sobre o Cerrado ter aumentado, os estudos sobre a percepção dos estudantes indicam que pouca coisa mudou. A juventude, cada vez mais urbana, continua a ignorar as belezas e a agonia que o Cerrado enfrenta. De fato, a crise só aumenta, como indica o último boletim do desmatamento no Brasil, que registrou que o desmatamento no Cerrado ultrapassou a Amazônia. Como ampliar a visibilidade do Cerrado na sociedade para mudar essa situação?

A comunicação nos nossos dias perpassa a internet e as redes sociais, locais onde o Cerrado perde em popularidade para outros biomas. No Instagram, por exemplo, há hoje 1.044.420 postagens com a #cerrado, contra 3.081.121 com #amazonia e 1.255.912 com #pantanal. O Portal Canal Ciência, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), que reúne materiais de divulgação científica on-line, lista 23 materiais sobre o Cerrado, contra 97 para a Amazônia, oito para a Caatinga e quatro para Pampa e Pantanal. Por outro lado, segundo o Google Trends, o Cerrado foi mais buscado do que a Mata Atlântica e mesmo a Amazônia no Brasil entre 2023 e 2024. Essas buscas concentraram-se nos estados cobertos pelo bioma, o que é importante, mas o valor do Cerrado precisa transcender suas fronteiras. Há iniciativas interessantes de divulgação do nosso bioma na internet, de museus virtuais e projetos de observação de aves a podcasts e canais de Youtube, indo além das mazelas e focando as belezas dessa paisagem.

Hoje, o Cerrado é muito mais conhecido e visibilizado na escola, na imprensa e na divulgação científica do que já foi. Temos festivais culturais, gastronômicos e eventos de moda e design que valorizam elementos do Cerrado. Somos melhores em reconhecer nosso bioma, sua fauna, flora e características principais. Percebemos o Cerrado como um ambiente, não só como o causador ou a vítima de problemas diversos. Tudo isso mudou a forma como o Cerrado habita a opinião pública. Mas precisamos ir adiante.

Para que o Cerrado ocupe definitivamente seu papel no imaginário popular, precisamos continuar investindo em iniciativas de educação ambiental, valorizá-lo como pauta jornalística e cada vez mais povoar as redes sociais com ipês, capivaras e cachoeiras. Estratégias diversificadas de abordar o Cerrado permitirão que as futuras gerações não só o conheçam melhor, mas, acima de tudo, se sintam responsáveis por conservá-lo. O Cerrado já faz parte da identidade do brasiliense, mas essa identificação precisa continuar e se aprofundar para que ele seja visto como mais que um recurso natural a ser explorado, uma fonte de riqueza ambiental e cultural. 

Todavia, tudo isso ainda será pouco se não resultar na mudança da mentalidade política sobre o Cerrado e o rearranjo das diretrizes que orientam o desenvolvimento econômico na região. Esse é o ponto de chegada desse processo de assumirmos a responsabilidade pelo cuidado com o Cerrado, e o de partida para que o Brasil se torne um país modelo de sustentabilidade para o mundo. 

 *Professor da Faculdade UnB Planaltina

**Professor da Faculdade UnB Planaltina e pesquisador da Rede Biota Cerrado

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