Lia Baker Valls Pereira*
Em meados da década de 1980, o país conviveu com o deficit gêmeos (fiscal e externo), e mudanças de rumo nas políticas foram iniciadas. No âmbito externo, Reagan questionava as instituições multilaterais, como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que seria hoje a Organização Mundial de Comércio (OMC), por não atender aos interesses dos Estados Unidos. Questionava as instituições, mas queria reformas, não a extinção. O mundo vivia os últimos anos da Guerra Fria, a ameaça comercial vinha do Japão e a receita não era isolar os Estados Unidos, mas garantir a sua liderança na economia mundial. Se era protecionista, o justificava pelo fato de o resto do mundo ser fechado. A agenda dos Estados Unidos era de liberalização comercial e financeira nas negociações multilaterais.
A agenda de Trump tem algumas medidas similares às de Reagan, como aumento de impostos e medidas protecionistas, mas o contexto e a motivação são distintos. Trump não expressa interesse em reformar as instituições multilaterais. "Tornar a América Grande Novamente" parte de um projeto de fortalecimento do país com medidas voltadas para o mercado doméstico. O aumento generalizado dos impostos, entre 10% e 60%, em relação aos produtos oriundos da China, é uma proposta entendida como mecanismo para proteger e estimular a produção doméstica.
Além do efeito inflacionário, a experiência mostra que a mera proteção não garante competitividade. Um exemplo é a indústria siderúrgica norte-americana, que tem sido alvo de medidas protecionistas desde os anos 1980. No governo Trump de 2016, o setor ganhou proteção extra justificada por razões de "segurança nacional". Outro efeito da proteção é a valorização do dólar, que estimula importações e inibe as exportações, enquanto as moedas dos parceiros sofrem desvalorização. A pressão inflacionária e o deficit fiscal (reduções tributárias) levam também ao aumento de juros, outra fonte de pressão para valorizar o dólar. Conter aumento de importações via tarifas poderá exigir aumentos contínuos de tarifas, ou então, o que é possível, medidas de restrições quantitativas (cotas), como foi feito com os produtos siderúrgicos e de alumínio em 2017. O "furor" protecionista de Trump pode ensejar medidas de retaliação pelos parceiros, como ocorreu em 2016. Numa proposta generalizada de aumento de impostos, e os parceiros respondendo na mesma direção, o resultado é a desaceleração do crescimento do comércio mundial ou a estagnação.
Aumento da inflação com a desvalorização da moeda, barreiras às exportações, aumento dos juros são alguns dos possíveis efeitos da política comercial de Trump que afetará o resto do mundo, inclusive, o Brasil.
Para o Brasil, porém, outra questão também é crucial. O fortalecimento, a reforma das instituições multilaterais, como a OMC, é uma bandeira do Brasil e de potências médias e pequenas que precisam de um quadro mínimo de regras para se protegerem de ações unilaterais. O mundo convive com desafios, como a mudança climática, políticas para transição energética, o impacto das novas tecnologias digitais, que requerem um diálogo para se identificar regras de convivência entre os países. Falta de diálogo e cooperação penalizará principalmente os países mais pobres. É nesse cenário que a posição de Trump assusta. O clima de tensão provocado por medidas unilaterais, que visam somente atender aos interesses dos Estados Unidos, afasta a possibilidade de cenários de transição não conflituosos. Ao sair do Acordo de Paris, como fez em 2016 e, provavelmente, vai repetir agora, torna cada vez mais distante uma solução negociada para a mudança climática.
Por último, fica a indagação de como será o término da Cúpula do G20 em 18 e 19 deste mês. As declarações ministeriais dos diversos grupos já foram finalizadas. Biden e Xi Jiping deveriam se encontrar, o que sinalizaria nos temas de convergência, como transição energética e mudança climática, um sinal positivo. O G20 não delibera, mas expressa diretrizes que os governos concordam. Agora é esperar como Trump vai se posicionar e, em especial, no encontro do G20 em 2026, que será presidido pelos Estados Unidos. É essa inquietude nos rumos da agenda internacional que Trump traz.
*Pesquisadora associada do FGV Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e professora Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)