Artigo

As relações Brasil e Estados Unidos sob o novo governo Trump

A diplomacia é outra área que exigirá do governo brasileiro uma dose extra de pragmatismo para contornar certos obstáculos que devem surgir na gestão Trump

Roberto Goulart Menezes*

A vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos trará novos desafios e dificuldades para a política externa brasileira a partir de 2025. A primeira delas provavelmente será no campo comercial e econômico. Trump deve repetir as políticas protecionistas contra setores industriais na sua cruzada para diminuir o deficit das importações que foi de US$ 773 bilhões em 2023. Embora os EUA registrem superavit no comércio com o Brasil, a adoção de políticas indiscriminadas por parte deles pode afetar alguns setores das exportações brasileiras.

Nesse campo, o alvo principal da política comercial de Trump será a China. Como Pequim tem estreitado os laços econômicos e comerciais com a América Latina e, em especial com o Brasil, a ofensiva dos Estados Unidos sobre a China pode também significar o aumento das pressões sobre o nosso país.

A diplomacia é outra área que exigirá do Brasil uma dose extra de pragmatismo para contornar certos obstáculos que devem surgir na gestão Trump. A esse respeito, o tema da Venezuela é um dos mais sensíveis. Depois de todo o empenho do governo Lula junto ao regime de Nicolás Maduro para a realização de eleições democráticas em troca da suspensão de parte das sanções impostas pelos EUA, conforme o Acordo de Barbados (outubro de 2023), o Brasil aos poucos vem se afastando da crise política venezuelana. O futuro governo Trump deve retomar as sanções e pode até mesmo adotar medidas ainda mais duras contra o governo Maduro. Isso provocaria instabilidade política na região e obrigaria o Brasil a retomar os esforços para que o diálogo prevaleça.

O governo Lula vem reconstruindo a política externa do país desde janeiro de 2023, a partir de três eixos fundamentais: a relação com as grandes potências, a integração regional e a política ambiental. Em particular, a reconstrução da imagem internacional do país passa necessariamente pelo êxito na articulação de uma agenda global para a governança do clima. Aliás, nos dois primeiros anos do governo Lula, essa é a área que mais tem contribuído para reinserir o país na agenda global. A realização da COP30 em 2025 no Brasil assim como a Cúpula da Amazônia, em agosto de 2023, são parte desse esforço. Outro importante evento internacional é a Cúpula do G20 Financeiro, que será realizada nos dias 18 e 19 deste mês, no Rio de Janeiro, e serviria para projetar a política externa brasileira em seu novo momento. Agora, a tendência é o evento ser ofuscado pelo resultado eleitoral dos EUA. O próprio G20 Financeiro, como principal fórum de temas econômicos e financeiros, deve sofrer com a gestão Trump, que tende a esvaziar a sua importância.

Em síntese, é na política ambiental que o Brasil terá um dos temas mais difíceis nas relações com o futuro governo dos EUA. Negacionista climático e científico, Trump pretende retirar os Estados Unidos novamente do Acordo de Paris, investir maciçamente nos recursos energéticos fósseis e buscar desfazer todas as realizações do governo de Joe Biden na área ambiental. Em relação ao Brasil, Trump deve cancelar a doação ao Fundo Amazônia anunciada por Biden em 2023, assim como não deve prestigiar a COP 30 em Belém (Pará), que será realizada no próximo ano. Além disso, o segundo maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) abandonará os acordos multilaterais e qualquer outro esforço no enfrentamento da crise climática.

Vale notar que coube ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, expressar o sentimento do governo brasileiro com relação à eleição de Trump. Perguntado sobre as possíveis consequências da vitória de Trump para o Brasil, ele respondeu afirmando que o mundo amanheceu tenso. Essa tensão se manifesta de muitas maneiras e, para a democracia brasileira, a vitória da extrema-direita nos EUA pode significar o fortalecimento ainda maior dos aliados de Trump no Brasil.

Assim, as turbulências que se avizinham com o início do mandato de Trump devem sacudir a geopolítica global e podem implicar em ajustes na política externa brasileira. E, talvez, somente o pragmatismo não seja suficiente para atravessar esse novo período nas relações Brasil-Estados Unidos.

*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (Ineu)

 

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