Valéria Mendonça*
Creio que tenha sido a primeira vez em que o tema da desinformação em saúde foi destaque nas atividades do Grupo de Trabalho de Saúde do G20, realizado na última semana no Rio de Janeiro com a presença de ministros de Estado, secretários e outras autoridades de saúde. A desinformação em saúde pode causar sérios e irreversíveis danos às pessoas, famílias e comunidades — esse, por si só, é um dos mais fortes motivos para que a pauta entre, de vez, na agenda global das lideranças em saúde e suas representações regionais, a exemplo da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
A abertura da reunião, realizada na última terça, 29 de outubro, contou com as presenças da ministra da Saúde, Nísia Trindade, e do diretor da Opas, Jarbas Barbosa, que deram o tom das preocupações em torno da temática, que figura no relatório Global Risks Report 2024, do Fórum Econômico Mundial, como um dos principais riscos de curto prazo, especialmente nos próximos dois anos. Cabe lembrar que a integridade da informação já foi pauta da reunião do G20 que aconteceu em São Paulo, em 1º de maio, quando se destacou o combate à desinformação, o discurso de ódio e as ameaças às instituições públicas on-line.
No entanto, a desinformação em saúde ameaça a saúde das populações, não somente na vacinação, mas em todas as ações de saúde pública. Um fato que há tempos ganha reverberação na falta de confiança na ciência e nas instituições, gerando quedas na cobertura vacinal, a exemplo do que o Correio Braziliense registrou em 15 de outubro: "Cobertura vacinal infantil está abaixo da meta para três imunizantes. DF alcançou o objetivo em apenas dois imunizantes: BCG e hepatite B. No entanto, tríplice viral D2, febre amarela, varicela e hepatite A estão aquém do planejado" — assim anunciava a reportagem.
Precisamos estar atentos à disseminação de informações falsas, tanto intencional (desinformação) quanto não intencional (misinformação), vista como um fator que pode ampliar as divisões sociais e políticas. Esse fenômeno é particularmente preocupante em um cenário global de polarização crescente e incertezas econômicas em que ainda se destacam as desigualdades de toda ordem, em particular, no cenário em que as questões de saúde enfrentam significativas transformações digitais. Desafios contemporâneos que margeiam a necessidade de promover o letramento digital junto aos profissionais de saúde e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), estimular a educação midiática em escolas que integram a rede do Programa Saúde na Escola (PSE) a fim de que possamos enfrentar a desinformação e seus efeitos, em pé de igualdade.
Nesse contexto, a integração do letramento midiático às estruturas educacionais é essencial para prover cidadãos, educadores, comunicadores, profissionais e gestores de saúde com habilidades básicas para navegar no complexo cenário das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Saúde (TDICS), a exemplo dos prontuários eletrônicos, big datas, m-health, wearables, entre outros.
Fortalecer o pensamento crítico, para que todos possam analisar e discernir quanto às informações confiáveis em meio a potenciais processos de desinformação, tende a ser um dos caminhos para que possamos adotar decisões sobre nosso bem-estar e nosso autocuidado, baseados em decisão informada por evidências.
Recente pesquisa realizada pelo Laboratório de Educação, Informação e Comunicação em Saúde da Universidade de Brasília (UnB) com 14.528 profissionais, sendo 11.697 agentes comunitários de saúde (ACS) e 2.831 agentes de combate às endemias (ACE), indica a importância de capacitar esses profissionais para lidar com a desinformação, melhorando seu letramento digital e suas competências em comunicação. Outros exemplos positivos também evidenciados pelo Projeto Escola Cidadã, no Distrito Federal, incluem a coprodução de campanhas de comunicação em saúde, como vídeos educativos ou artigos para blogs e redes sociais, permitindo o desenvolvimento de análise crítica e cocriação de conteúdo em parceria com a comunidade.
Uma estratégia eficaz para enfrentar a desinformação precisa envolver a colaboração entre profissionais de saúde e educadores. Enquanto os primeiros possuem o conhecimento técnico e científico necessário para avaliar a veracidade das informações e produzir conteúdo confiável, os segundos dominam técnicas pedagógicas que incentivam o pensamento crítico e a avaliação autônoma do conteúdo. Essa parceria permite unir o rigor científico a métodos pedagógicos eficientes, promovendo o letramento midiático e aumentando a consciência sanitária da população.
Ainda assim, os governos enfrentam desafios significativos para melhorar a resposta à desinformação em saúde. A rapidez com que informações incorretas se disseminam nas redes sociais exige uma detecção ágil e uma resposta imediata, o que representa um grande obstáculo. A prevenção da desinformação em saúde exige um esforço contínuo e coordenado entre governos, organizações de saúde, universidades, educadores e sociedade civil. Apenas com um compromisso integrado e investimentos em capacitação e tecnologias será possível construirmos um ambiente digital seguro, onde a informação baseada em evidências e a educação crítica sejam os alicerces da saúde pública.
*Jornalista e filósofa. Professora-associada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB. Coordena o Laboratório de Educação, Informação e Comunicação em Saúde (ECoS)