Artigo

Um livro com perguntas e respostas

Convém registrar que conhecer a história pode amenizar e até evitar manifestações explícitas de ignorância, assim como surtos de intolerância e reaparecimento de preconceitos, como o antissemitismo, ou o anti-islamismo, ambos inconsequentes

* Jaime Pinsky

Cansado de ver imagens terríveis transmitidas do  Oriente Médio, a partir de outubro de 2023, e sendo estudioso e admirador dos povos que têm vivido na região há milhares de anos, resolvi voltar ao tema. Procurei os documentos, as narrativas, os textos e os mapas que coletei durante anos para um trabalho acadêmico (concurso de livre docência na Universidade de São Paulo, USP). E fiz uma pergunta cuja resposta apresentei ao longo da nova obra: como, por que e para que o povo judeu, derrotado pelos romanos no ano de 70 — o templo que ostentava seu monoteísmo foi depredado, símbolos religiosos e de poder, enviados a Roma como troféus, homens e mulheres, escravizados e espalhados pelo mundo romano — sobreviveu? Não foi uma simples sobrevivência física de indivíduos, mas a sobrevivência da sua identidade. Por que, como tantos outros, não foram diluídos no meio de tantas outras identidades culturais, tribais? Como e por que não se misturaram a outros povos? Como e por que mantiveram uma identidade distinta dos pagãos, dos cristãos e dos islâmicos?

Não queria respostas religiosas, essas são fáceis de serem dadas (uma entidade superior, a qualquer momento, pode operar o milagre). Queria uma resposta dentro da história, não fora dela. Como é que se deu a sobrevivência do judaísmo, algum judaísmo, qualquer judaísmo, algo que pudesse ser chamado de judaísmo, quando a lógica nos deveria conduzir para a desaparição do judaísmo?

Assim, retomei a documentação de décadas atrás e me debrucei sobre ela, como debrucei-me sobre tudo o mais que apareceu depois, sobre fatos e processos, relações e narrativas, um judaísmo sem templo, um Estado laico, conflitos com vizinhos. Isso depois da criação de um pequeno Estado que lutou para se afirmar, com homens e mulheres contemporâneos, em uma região que não queria abandonar o passado. E do passado esses cidadãos não queriam mais ouvir, não queriam saber de gente frágil que sofria em silêncio e se viu esmagada durante séculos e mais séculos e outros séculos, na Espanha e na Alemanha, na Rússia e na África do Norte, na Inglaterra e mesmo às margens do Rio Jordão. 

Assim, produzi esse livro. E é um livro novo. Utilizei pesquisas feitas há algum tempo, mas, como sou outro e o momento é outro, insisto em que esse é um livro novo. O resultado é uma obra séria, consequente, mas vibrante e atual. Escrevi com mais leveza. Com menos compromissos formais, o livro também está mais leve. Mas penso que não perde em densidade. Não se trata de um ensaio opinativo, mas de livro de história, fartamente documentado. Não tem afirmações sem comprovação. 

Acredito que possa ajudar não apenas intelectuais, mas todos os que quiserem entender mais sobre um tema cuja atualidade vem sendo demonstrada a cada nova notícia. A ausência de especialistas em condição de esclarecer a respeito do que está ocorrendo no Oriente Médio redunda em repetição acrítica de posições políticas, não de análise séria. É necessário entender os problemas, sua origem e possíveis soluções. Esse livro joga um pouco de luz e, talvez, possa colaborar na compreensão do processo histórico e no encaminhamento de saídas que permitam a convivência pacífica de povos irmãos. 

A identidade nacional e seu corolário, o direito territorial, são problemas intrincados, mesmo para historiadores, cientistas políticos e estadistas. Não são questões simples, em que se toma partido de um dos lados, como em um jogo de futebol. O preço que se paga pela incapacidade de solucionar essas questões tem sido muito alto: guerras, atentados terroristas, radicalização, insegurança. A economia não se desenvolve como deve, a miséria se espalha e os líderes demagógicos acusam o inimigo real, ou imaginário, de todas as mazelas.  

A questão nacional continua em pauta e é sempre aconselhável recorrer à história: fica mais fácil compreender os processos que desencadeiam crises. Fica mais fácil desmascarar a demagogia. De nossa parte, convém registrar que conhecer a história pode amenizar e até evitar manifestações explícitas de ignorância, assim como surtos de intolerância e reaparecimento de preconceitos, como o antissemitismo, ou o anti-islamismo, ambos inconsequentes.  

Um recadinho pessoal: tem muito trabalho por trás das duzentas e tantas páginas do livro, que se chama Os judeus, a luta de um povo para se tornar uma nação. Levei a sério o compromisso de apresentar uma obra com muita informação e análise. O livro não foi escrito com a ligeireza e a superficialidade de um comentário, redigido às pressas e enviado por celular. Creio ter conquistado o direito de pedir a quem for lê-lo que o faça com atenção, não me atribuindo afirmações que não fiz. E se não ler, por favor, não suponha. 

*Historiador, professor titular aposentado da Unicamp, doutor e livre docente da USP e escritor

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