Opinião

Parlamento Europeu adia lei sobre desmatamento: o que muda agora?

A sessão plenária concordou em adiar a entrada em vigor da EUDR por 12 meses. É preciso um diálogo internacional para promover sua implementação de forma não contenciosa ou discriminatória

A votação ressalta as controvérsias e dúvidas que ainda circundam a implementação da EUDR -  (crédito: Daina Le Lardic/Parlamento Europeu)
A votação ressalta as controvérsias e dúvidas que ainda circundam a implementação da EUDR - (crédito: Daina Le Lardic/Parlamento Europeu)

Paula Wojcikiewicz AlmeidaProfessora da FGV Direito Rio, coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges; Gabriel RalilePesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) da FGV Direito Rio

Em 14 de novembro, o Parlamento Europeu votou e aprovou alterações relevantes à nova lei sobre desmatamento (European Deforestation-Free Regulation, ou EUDR na sigla em inglês). A norma tem como escopo regular a entrada e circulação de produtos de sete commodities no mercado da União Europeia (UE), proibindo-os se originados de regiões desmatadas. Entre os commodities regulados estão produtos oriundos de soja, gado, óleo de palma, madeira, cacau, café e borracha natural. Além disso, a norma cria um sistema de classificação de países (benchmarking) com base em risco, refletindo em maiores ou menores obrigações diante da norma. 

Em suma, a sessão plenária concordou em adiar a entrada em vigor da EUDR por 12 meses, bem como adicionar uma nova categoria de países "sem risco" em seu sistema de benchmarking, assim suavizando as obrigações da norma. As propostas passarão por negociações interinstitucionais no âmbito do legislativo da UE, o chamado trilogue entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho Europeu.

Essas decisões são reflexo de reações de descontentamento internacional e na própria UE quanto ao curto período de transição da norma de apenas 18 meses, impedindo uma preparação adequada, e obrigações que seriam demasiadamente custosas. A comunidade internacional, sobretudo produtores e exportadores de commodities regulados, tem se queixado quanto a possíveis impactos no comércio internacional. Inclusive, estudos recentes, como do Banco Mundial e da empresa Global Data, constataram potencial impacto nos índices de exportação de países produtores e o repasse de encargos para consumidores.

Diante dessas críticas, em 2 de outubro, a Comissão Europeia propôs um adiamento de 12 meses da EUDR. Posteriormente, em 6 de novembro, o Partido Popular Europeu (PPE) propôs 15 alterações à lei, seis das quais foram posteriormente retiradas e oito aprovadas na sessão plenária do último dia 14. Entre as justificativas para adoção da emenda apresentadas pelo PPE, citou-se a necessidade de não aplicação da norma a atores de menor participação na cadeia de valor, de se assegurar um período justo de transição e criar uma proporcionalidade na aplicação da norma.

A votação ressalta as controvérsias e dúvidas que ainda circundam a implementação da EUDR. Contudo, seu resultado também sofreu duras críticas, a citar impactos negativos da prorrogação da norma àquelas empresas que já se prepararam, potencial discriminação oriundo da nova categoria "sem risco' na classificação de países e possível racha interna no Legislativo da UE ante posturas divergentes sobre a norma. Além disso, alguns membros do parlamento relataram problemas técnicos para a votação que os impediram de votar, indicando que foi negado pedido de reexecução dos votos.

Para os países produtores, o tema também tem como destaque desafios de natureza prática, como pela necessidade de utilização de sistemas de monitoramento e rastreabilidade visando garantir a regularização de áreas florestais. No caso do Brasil, observa-se instaurado um arcabouço de proteção ambiental — o que inclui o Código Florestal Brasileiro e programas e ferramentas, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Selo Verde Brasil, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) e o Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sisbraar). No entanto, ainda há incertezas se esses mecanismos serão considerados válidos pela EUDR, ensejando que estejam em constante evolução para se adequarem à norma. Por exemplo, no começo de novembro, a gigante francesa do setor de alimentação Danone teria indicado ter encerrado compra de soja do Brasil dado que o país não teria mecanismos em acordo com a EUDR, voltando atrás no posicionamento poucos dias depois.

Dada à falta de maiores direcionamentos quanto à norma e disponibilização dos instrumentos e documentos de apoio à sua implementação, como o benchmarking, a EUDR requer um diálogo internacional para promover sua implementação de forma não contenciosa ou discriminatória, com isso alcançando seus objetivos de sustentabilidade. No contexto em que a agenda ambiental ganha mais destaque com a realização da COP 29 no Azerbaijão, entre 11 e 22 de novembro, e o encontro do G20 no Brasil, entre 14 e 19 de novembro, observa-se grande oportunidade para a discussão do tema e de desafios similares. Inclusive, em suas declarações, o próprio G20 reafirmou o compromisso de intensificar esforços para garantir a sustentabilidade ambiental e climática, abarcando a proteção de florestas como um de seus principais pontos.

 

Paula Wojcikiewicz Almeida e Gabriel Ralile - Opinião
postado em 30/11/2024 06:00
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