Artigo

O lado bom da chatice

As eleições no Uruguai ensinam algo extremamente importante para o mundo

Yamandú Orsi será o novo presidente do Uruguai -  (crédito: Santiago Mazzarovich / AFP)
Yamandú Orsi será o novo presidente do Uruguai - (crédito: Santiago Mazzarovich / AFP)

Entre tantas coisas acontecendo no mundo a cada instante, uma eleição pode até ter passado despercebida por algumas pessoas: a decisão, em segundo turno, do novo presidente do Uruguai. Apesar da calmaria — bem inusitada para um contexto de eleições presidenciais —, o novo pleito dos vizinhos do sul ensina algo extremamente importante para o mundo: o lado bom da chatice.

Tive a oportunidade de participar da apuração dessa eleição e, como jornalista, alguns aspectos saltam aos olhos. Pouco antes da apuração das urnas ter chegado a 95% (já por volta das 22h20, horário de Brasília), o candidato "perdedor", Álvaro Delgado, foi a público confirmar a vitória do oponente, Yamandú Orsi. "Hoje, os uruguaios definiram quem exercerá a Presidência da República. E quero enviar aqui, com todos esses atores da coalizão, um grande abraço e saudações a Yamandú Orsi", disse Delgado em um palco da aliança governante em Montevidéu.

Já imaginou? Um candidato parabenizando o oponente por uma vitória durante as eleições? Parece algo até literário em alguns cantos do mundo. E não para por aí.

As manifestações sobre a vitória de Orsi não ganharam contorno de final de Copa do Mundo nas ruas de Montevidéu. Pelo contrário. Grupos de apoiadores ficaram dentro de eventos de campanha — e não tentaram destruir prédios públicos. Os candidatos não foram para o X (antigo Twitter) alfinetar os oponentes. Tudo parece tão diferente do cenário político do mundo afora.

A calmaria que envolveu o pleito uruguaio ganhou, de forma leviana, a alcunha de "chato". Algumas matérias jornalísticas ousaram conclamar as eleições como "sem emoção".

Nada mais incorreto. Ao observar o fim de uma eleição em que existe o mínimo de respeito entre os atores políticos, pude perceber que falta a outras nações a experiência de lidar com esse lado mais estável da política.

Essa habilidade faz parte da história uruguaia. O país exerce uma firmeza política invejável não só para a América Latina, mas para o mundo todo. Em um cenário de presidente deposto no Paraguai, a perpetuação de um regime ditatorial na Venezuela, a reeleição inédita que desafiou a Constituição de El Salvador e tudo o que ocorreu (e vem ocorrendo) na disputa de poder brasileira, uma coisa fica claro: a política pede desesperadamente por dias mais entediantes.

Imagino que certas pessoas ganhem com toda a "emoção" política desencadeada ao longo de um pleito. O suor na mão, a sensação de tudo ou nada durante a contagem dos votos, o olhar fixo no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o coração palpitando (talvez em presságio de um infarto). Contudo, chegou a hora de refletir um pouco sobre como a "chatice" da disputa governamental uruguaia faz bem.

Em um país com quase 3 milhões de pessoas (e cerca de 12 milhões de cabeças de gado), a estabilidade do Uruguai deveria inspirar os brasileiros a sonhar com uma política um pouco mais estável e menos apocalíptica.

postado em 26/11/2024 06:00
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