Consciência Negra

20 de Novembro: direitos e justiça para quem fez e faz o país

A partir da criação do feriado, temos um Brasil que começa a se reconciliar com a própria história e avança no direito à memória, à justiça e à reparação para o povo negro

PRI-2011-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2011-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Dandara*

Para compreendermos o Brasil, é exigido de todos nós uma imersão profunda em nossa história, tornando-se fundamental revisitarmos nosso passado escravista, elemento estruturante das desigualdades e da violência racista que persistem em nossa sociedade. A memória coletiva, historicamente silenciada e manipulada, seja nos livros didáticos, em nossas instituições de ensino, seja nas narrativas oficiais, molda as relações sociais em nosso país. 

A busca pela verdade impõe o enfrentamento dessas narrativas, que têm servido para legitimar a dominação e a exclusão. Reconhecer a centralidade da escravidão na formação econômica, política e cultural é indispensável para desmontar ideologias que naturalizam a desigualdade e perpetuam privilégios de uma minoria. Sem essa nitidez, permanecemos reféns de mitos que mascaram as origens reais das disparidades sociais do nosso povo. 

A justiça, nesse contexto, transcende a esfera jurídica formal. Trata-se de uma transformação profunda das estruturas que sustentam a concentração de riqueza e poder. É necessário confrontar os mecanismos que reproduzem a pobreza e impedem a mobilidade social da população negra e das classes populares. A justiça social implica na construção de políticas que promovam a igualdade substantiva e a inclusão de todos os cidadãos e cidadãs no processo democrático. 

É nesse sentido que a oficialização do 20 de novembro como feriado nacional representa um avanço significativo nesse processo de reconstrução democrática. Celebrar a memória de Zumbi e Dandara dos Palmares, da resistência quilombola, não é um simples ato simbólico, mas um resgate histórico que desafia a "amnésia" institucionalizada ao longo da nossa história.

Podemos dizer que, a partir da criação do feriado, temos um Brasil que começa a se reconciliar com a própria história e avança no direito à memória, à justiça e à reparação para o povo negro. 20 de Novembro é o dia em que um homem negro foi morto, mas também quando todo um povo renasceu.

Essa conquista não foi o resultado de uma mera concessão estatal, mas da luta persistente de intelectuais orgânicos da luta antirracista no Brasil, como Alberto Guerreiro Ramos, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Milton Barbosa, Edson Cardoso, Luiza Bairros, Abdias do Nascimento. Esses, além de tantos outros, e movimentos sociais, como o Grupo Palmares e o Movimento Negro Unificado (MNU), que reivindicaram o reconhecimento das vozes silenciadas pela história oficial. Imbuída dessa força ancestral, a Bancada Negra da Câmara dos Deputados, formada em 2023 e da qual fui uma das entusiastas, liderou a aprovação do projeto de lei que tornou feriado o Dia Nacional da Consciência Negra.

O movimento negro desempenhou e continua desempenhando um papel crucial na luta por reconhecimento e direitos. Ao reescrever essa narrativa fica evidente que a abolição da escravatura não foi uma dádiva das elites, mas resultado da resistência ativa dos próprios negros e negras. Essa reinterpretação histórica é essencial para desconstruir os mitos fundadores que sustentam a hierarquia social e racial vigente.

Compreender a confluência entre memória, justiça e verdade é fundamental para desarticular as estruturas que perpetuam a desigualdade. Sem memória, desconhecemos as raízes das injustiças. Sem verdade, aceitamos explicações superficiais que sempre buscam culpabilizar os oprimidos e sem justiça, e mantêm-se intactos os pactos e mecanismos que favorecem uma minoria em detrimento da maioria. 

A celebração do Dia da Consciência Negra nos convoca a uma reflexão crítica sobre o projeto de nação que estamos construindo. Reconhecer as lutas históricas e atuais da população negra é fundamental para avançarmos em direção a uma democracia verdadeiramente inclusiva, de todos e todas. Cada cidadão e cidadã tem um papel na transformação dessa realidade, seja ao questionar privilégios, seja ao apoiar e se engajar em prol de políticas que promovam a igualdade e a justiça social. 

Somente enfrentando com honestidade nosso passado e os interesses que moldam nosso presente, poderemos construir um futuro mais justo. É por meio da ação coletiva e da consciência crítica que encontraremos a força necessária para romper os ciclos históricos de exclusão e desigualdade que têm marcado a trajetória da maioria do povo brasileiro. A realização plena da democracia depende desse compromisso.

Pedagoga, mestra em educação e deputada federal (PT/MG)*


 

postado em 20/11/2024 05:00
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