O ano era 1904. O governo federal, do então presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves, e a Prefeitura do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, sob administração de Francisco Pereira Passos, implementavam a vacinação obrigatória contra a varíola. O objetivo era combater a epidemia da doença que assolava a capital, considerada a primeira grande ação de saúde pública do Brasil.
A medida infelizmente trouxe problemas. A ideia de imunizar a população foi mal comunicada e, como era costume na relação entre governo e sociedade naquela época, foi imposta de forma autoritária. Isso gerou desconfiança e medo entre as pessoas. A população se opunha à vacinação obrigatória, alegando que a vacina era perigosa e que o governo estava violando seus direitos individuais. O movimento anti-imunização foi integrado por operários, estudantes e intelectuais, e rapidamente ganhou apoio entre pessoas da elite. Ruy Barbosa discursou contra a vacina, e o senador Lauro Sodré, do Pará, foi um dos organizadores da Liga Contra Vacina Obrigatória.
O início efetivo da vacinação levou a uma reação popular, iniciada em 10 novembro daquele ano, que tomou as ruas do Rio de Janeiro. A revolta se espalhou por toda a cidade e, como o governo era mais truculento naqueles dias, respondeu com repressão violenta para controlar a situação, com confrontos entre manifestantes e forças policiais. Foram cinco dias de fúria, com manifestações e protestos violentos nas ruas que resultaram em 945 prisões, 110 feridos e 30 mortos, segundo o Centro Cultural do Ministério da Saúde.
A reação popular entrou para os livros de história com o nome de Revolta da Vacina, durou cerca de uma semana, até que o governo finalmente suspendeu a vacinação obrigatória. As consequências foram negativas. O atraso na vacinação, que passou a ser voluntária, levou ao natural aumento no número de casos de varíola e, consequentemente, às mortes. Em 1904, 3.500 pessoas residentes no Rio de Janeiro foram vítimas fatais da varíola, em uma população de 800 mil habitantes.
Isto soa familiar: desconfiança e medo em relação à vacina, seja por motivos de segurança, eficácia ou liberdade individual? O mesmo clima observado em 2020, na pandemia. Novamente, fomos vítimas de falta de comunicação clara e transparente por parte das autoridades. No caso recente, ainda tivemos a disseminação exacerbada de informações falsas ou enganosas sobre vacinas, ao lado de campanhas claramente contrárias à imunização que se apoiavam na promoção de terapias alternativas, que não tinham — e continuam a não ter — comprovação de sua eficácia científica.
Fomos vítimas de processos pautados por questões políticas e ideológicas, sem qualquer embasamento científico sério, gerando uma polarização na população. A hesitação na vacinação levou a um aumento no número de casos da doença e mortes evitáveis. Quase 120 anos depois, governo e população pouco aprenderam com nossa história durante o combate à covid-19. As mais de 700 mil vítimas são a prova incontestável disso.
O que deveríamos tomar como lições quando enfrentarmos nosso próximo desafio de saúde pública (sim, porque a questão não é se, mas quando surgirá a próxima doença de amplo espectro infeccioso)? A primeira delas é que a ciência e a evidência devem guiar as políticas de saúde pública.
Outros pontos que merecem atenção rigorosa são a comunicação eficaz, a transparência nas decisões governamentais no enfrentamento à doença e o combate às notícias falsas. Explicar, convencer e motivar as pessoas são ações fundamentais para estimular a participação popular efetiva e para a construção da confiança da sociedade na vacinação. A saúde pública é eficiente e cumpre seu papel quando todos entendem que ela é de todos e para todos.
A hesitação na vacinação tem consequências graves para a saúde pública, como mostra a história em 1904 e em 2020. Nossa curva de aprendizado terá de ser mais rápida, pois, certamente, não teremos outro século para pôr em prática o que aprendemos, ou deveríamos ter aprendido.