Opinião

Show do milhão

Como bem disse o secretário-executivo da ONU, António Guterres, financiamento climático não é esmola, é obrigação de quem está poluindo o planeta há dois séculos.

 People walk past the logotype at the venue for the 2024 United Nations Climate Change Conference (COP29) in Baku on November 11, 2024. The COP29 climate talks open on November 11 in Azerbaijan, under the long shadow cast by the re-election of Donald Trump, who has pledged to row back on the United States' carbon-cutting commitments. (Photo by Alexander NEMENOV / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
People walk past the logotype at the venue for the 2024 United Nations Climate Change Conference (COP29) in Baku on November 11, 2024. The COP29 climate talks open on November 11 in Azerbaijan, under the long shadow cast by the re-election of Donald Trump, who has pledged to row back on the United States' carbon-cutting commitments. (Photo by Alexander NEMENOV / AFP) - (crédito: AFP)

Nós, que nos lembramos de como era o mundo pré-internet, costumamos pensar que somos testemunhas de uma revolução tecnológica tão importante para a humanidade quanto a descoberta da roda. Mas, sem minimizar o impacto significativo da rede mundial de computadores na nossa vida, ouso imaginar que a população do século 19 vivenciou uma transformação muito mais assombrosa.

Graças à internet, em frações de segundos, encontrei algumas das novidades do mundo oitocentista: eletricidade, radioatividade, telefone e fotografia são alguns deles. Foi naquele século que se desenvolveram bateria, locomotiva, motor elétrico, estrada de ferro, turbina de água, hélice de navio, fonógrafo, turbina a vapor, automóvel, cinema e um tanto de outras coisas que mudaram dos costumes à economia. Em resumo, uma pessoa nascida nas primeiras décadas do século 19 passou da carroça à locomotiva e ao carro, da carta ao telefone, do retrato a óleo à fotografia, da vela à lâmpada.  

Enquanto Inglaterra estava, literalmente, a todo vapor, no continente africano, 18 países foram feitos colônias do Reino, com a função única de fornecer matéria-prima para o desenvolvimento industrial da metrópole. Até o início do século 20, simplesmente toda a África havia sido dividida entre os europeus. Assim como as ilhas da Oceania e boa parte da Ásia e da América Latina. Os Estados Unidos, que conseguiram a independência na era seiscentista, também já se dedicavam à indústria têxtil, siderúrgica, metalúrgica e automobilística. 

A intensa atividade industrial trouxe imensos benefícios à humanidade, ao mesmo tempo em que cobriu as cidades de fuligem, injetando toneladas e mais toneladas de dióxido de carbono da atmosfera. Foi somente no fim dos anos 1980 que os cientistas constataram que a temperatura do planeta estava aumentando e conseguiram associar o fenômeno à emissão massiva de gases de efeito estufa. 

Enquanto as nações fabris acumulavam dinheiro e CO2, as colônias eram espoliadas, e suas sociedades, estimuladas a entrar em guerras civis. Nada mais justo, portanto, que os países que enriqueceram à custa da industrialização paguem, agora, a maior parte da conta das mudanças climáticas. 

A COP29, sediada no Azerbaijão, tem como missão definir o novo fundo que destinará aos países em desenvolvimento recursos para mitigar e se adaptar aos danos das mudanças climáticas. A maior fatia tem de sair da conta dos ricos, que, todavia, têm se negado a pagar o montante que devem. Como bem disse o secretário-executivo da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, financiamento climático não é esmola, é obrigação de quem está poluindo o planeta há dois séculos.  

Um relatório técnico da ONU calculou em US$ 2,4 trilhões por ano, até 2030, para compor o fundo global de adaptação climática. Os países ricos preferem falar de milhões. Em um "show de humildade", dizem que não têm dinheiro para isso. Porém, diferentemente do século 19, o Sul Global não se curva às ex-metrópoles e não abre mão de cada centavo dessa dívida histórica, do tempo das carroças e da luz de vela.  

postado em 15/11/2024 06:00
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