Crise climática

Transformando cidades: como a criatividade humana pode redesenhar o futuro

Felizmente, a falta de imaginação nunca foi problema para os brasileiros, o que precisamos é, urgentemente, alinharmos nossas prioridades e começarmos a agir. Somente assim teremos cidades para todos

A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul é um dos efeitos das mudanças climáticas e seus impactos no cotidiano  -  (crédito: Marinha do Brasil )
A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul é um dos efeitos das mudanças climáticas e seus impactos no cotidiano  - (crédito: Marinha do Brasil )

LUCIANA BRAFMAN — Fundadora da produtora Time To Act, se dedica há anos à interseção entre arte e ativismo climático. Por duas vezes foi indicada para o Prêmio Emmy

"As cidades têm em si a capacidade de prover algo para todos somente porque e quando são criadas por todos." Essa é uma das célebres frases da ativista e urbanista norte-americana Jane Jacobs que, em 1961, alertou o mundo que as cidades não poderiam continuar do jeito que eram, sob pena de falharem com suas populações.

 Na época, Jane foi vista como uma pensadora ingênua. Hoje, sua análise se mostrou incrivelmente precisa. Entre 2000 e 2019, foram registrados 7.348 desastres ambientais ao redor do mundo. Esses desastres afetaram 4 bilhões de pessoas e custaram à economia global US$ 2,97 trilhões, uma vez que a maior parte das cidades do mundo não estava preparada para enfrentar catástrofes ambientais de tamanha magnitude. E, segundo o relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), a situação só tende a piorar. A Terra aumentará 1,5°C em sua temperatura média até 2050, o que significa que as próximas décadas serão marcadas por desafios ambientais e sociais complexos. 

É desse contexto de urgência que emergem as cidades resilientes, definidas pelo professor e ativista ambiental Peter Newman, como "centros  urbanos capazes de resistir e se regenerar frente a desafios climáticos, crises econômicas e desastres naturais."  

 A Dinamarca é um ótimo exemplo de país que começou essa transição. Em sua capital, Copenhague, foi inaugurado o "Skt. Kjelds", o primeiro bairro climático do mundo. Nele, substituiu-se o asfalto por ladrilhos permeáveis que permitem a infiltração de chuvas, reabastecimento de aquíferos e filtragem de contaminantes, além de aproveitarem a água captada para o cultivo de áreas verdes que hoje abundam na região. 

Outro projeto arquitetônico resiliente e digno de menção é o "Kampung Admiralty", em Singapura, no sudeste asiático. A chamada "residência ambiental" é um vilarejo vertical que promove a sustentabilidade social por meio da interação entre idosos e jovens. O projeto inclui moradias para idosos, centros de saúde e de educação e muitas áreas de lazer, tudo isso com um avançado sistema hidrológico que coleta e armazena águas pluviais, permitindo a reutilização da água para irrigação de uma impressionante floresta vertical.  

Em Toronto, no Canadá, foi recentemente aprovada a legislação "Green Roof Bylaw" que exige telhados verdes em construções acima de 2.000 m2, visando melhorar a gestão de águas pluviais, reduzir de ilhas de calor e aprimorar a qualidade do ar.

 No Brasil, embora mais tímidas, há boas iniciativas de cidades resilientes. Curitiba é uma delas. O seu plano diretor da capital paranaense previu a construção de parques que servem como bacias de contenção durante o período de chuvas, evitando que bairros ao seu redor sofram com enchentes.  

Recentemente, o Rio de Janeiro, alertado pela Organização das Nações Unidas (ONU) que o nível do mar da cidade subiria até 21 centímetros até 2050, criou o comitê de Estudos Científicos sobre a Elevação dos Mares, cujo objetivo é integrar esforços de órgãos municipais, como o Instituto Pereira Passos e a Fundação Rio-Águas, para o desenvolvimento de políticas públicas e contenção dos impactos das mudanças climáticas. 

No Rio Grande do Sul, a tragédia anunciada das chuvas catalisou a criação do "fundo de emergência gaúcho" que visa assegurar ajuda em emergências futuras, além de otimizar o urbanismo do estado para evitar tragédias futuras. 

Além disso, o tema de como ampliar o financiamento para adaptação e construção de  cidades resilientes será amplamente discutido no próximo fórum do G20 que acontecerá no Rio de Janeiro no próximo final de semana (dias 15 e 16), bem como na COP30, em novembro 2025, em Belém do Pará, no Brasil. 

Jane Jacobs concluiu sua obra ponderando que "projetar a cidade dos sonhos é fácil, mas reconstruir uma cidade que existe e vive exige muita imaginação". Felizmente, a falta de imaginação nunca foi problema para os brasileiros, o que precisamos é, urgentemente, alinharmos nossas prioridades e começarmos a agir. Somente assim teremos cidades para todos!

postado em 14/11/2024 06:00
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