MOZART NEVES RAMOS — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Para analisar esse tema do ensino superior, gostaria de trazer duas premissas: a primeira, é que o mundo está cada vez mais disruptivo — as mudanças são exponenciais, e não mais lineares. Se não estão convencidos, recomendo o artigo de opinião do cientista brasileiro Carlos Nobre, intitulado Crise climática: mundo pode não ter mais volta e isso me apavora, publicado na Folha de S. Paulo deste ano. A segunda é que este cenário vai exigir das pessoas novas competências e habilidades para viver e se relacionar, seja no campo pessoal ou profissional. Isso implica que o conteudismo por si só não fará mais a diferença, o importante, agora é entender que a formação será ao longo da vida, as pessoas precisarão cada vez mais estar preparadas para aprender a aprender.
Talvez por não enxergar com a lupa apropriada é que grande parte das universidades continua vendo no conteudismo um caminho sem volta, o caminho das "caixinhas" das disciplinas de pré e correquisitos, onde cada uma delas tem nome e sobrenome. As públicas têm o governo, que assegura, no fim de cada mês, o salário de seus professores e técnicos, mas que veem, a cada ano, os recursos das despesas discricionárias sumirem de seus orçamentos, sem condições adequadas para manter suas estruturas prediais. Além disso, ainda que assegurados, os salários, há muito tempo, não crescem na velocidade do aumento de outras despesas essenciais.
As universidades particulares vivem uma crise de matrículas, sem financiamento estudantil pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Essa crise se agravou ainda mais com o advento da pandemia. Muitas correram para tentar se salvar, para o ensino à distância (EaD) — barateando custos e, muitas vezes, oferecendo cursos de baixa qualidade. Mas não sou daqueles que acham que, por ser EaD, o curso é de baixa qualidade; tem algumas instituições que oferecem tal serviço com boa qualidade — professores preparados e currículos adequados a essa modalidade, com tutores bem pagos e com tecnologia de alta qualidade. Óbvio que tais cursos sofrem por conta daqueles de R$ 99.
Além disso, os dados do censo do ensino superior, recentemente divulgados pelo Ministério da Educação, reforçam a tese de um cenário preocupante para este nível de ensino — no que se refere às elevadas taxas de desistência. Por exemplo, de cada 100 ingressantes, 59 desistem ao longo do percurso — seja na instituição pública, seja na particular — essa média não muda praticamente nada, tanto no presencial quanto no EaD. Imaginem se isso fosse em um hospital, onde, de cada 100 pacientes ingressantes, apenas 41 saíssem curados. Seria uma crise sem precedentes.
Não há mais tempo a perder. O desafio começa na melhoria da qualidade da educação básica em nosso país. As universidades precisam entender seu papel nesse processo, assim como estão começando a fazer as universidades paulistas, lideradas pela Universidade de São Paulo (USP). Os reitores dessas instituições criaram o Provão Paulista, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, para motivar os jovens de escolas públicas a ingressar no ensino superior. A taxa de autoexclusão tornou-se uma grande preocupação. A maioria dos jovens que concluiu o ensino médio na rede pública estadual de São Paulo nem sequer tenta ingressar no ensino superior, uma que não se sente devidamente preparada. Para se ter uma ideia, de cada 100 jovens que concluíram essa última etapa da educação básica na rede pública paulista, apenas cinco aprenderam o que seria esperado em matemática; na Bahia, apenas um.
Mas os reitores das universidades estaduais de São Paulo sabem que ampliar as chances de ingresso dos alunos da rede pública de ensino é apenas ponto de partida, não é de chegada; é preciso assegurar que esses alunos não cheguem com tantos deficits de aprendizagem no ensino superior, que, em parte, respondem, por sua vez, pelas altas taxas de desistência.
Por isso, a USP por meio de sua pró-reitoria de graduação e de suas cátedras da educação básica, sediadas no Instituto de Estudos Avançados. Entre elas, a Sérgio Henrique Ferreira começa a colocar em prática uma avaliação mais depurada dos resultados do Provão Paulista, na perspectiva de identificar onde estão os deficits de aprendizagens que os estudantes trazem da educação básica. Isso vai ser uma bússola importante para a própria formação dos professores.
A importância dessa iniciativa pode ser ressaltada pelo elevado percentual de jovens que estão ingressando no ensino superior sem a formação adequada. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram, por exemplo, que quase 40% dos alunos que estudam Pedagogia no Brasil não alcançaram 450 pontos no Enem — isso significa que não obteriam o certificado de conclusão do ensino médio. Mas, apesar disso, estão no ensino superior.
Esse esforço do ensino superior para melhorar a qualidade da educação básica em nosso país pode ser uma grande oportunidade para fortalecer a sua função social. Mas é preciso entender que ele próprio precisa mudar.