Por Avedis Markossian*
Desde ontem (11), a República do Azerbaijão está sediando a COP 29, a maior conferência global sobre mudanças climáticas. No entanto, a escolha do país como anfitrião tem sido amplamente questionada. Em nome de todas as entidades representativas da comunidade armênia no Brasil e de 100 mil armênios em nosso país, enviamos uma carta ao vice-presidente da República e chefe da delegação brasileira, Geraldo Alckmin, na qual levantamos sérias preocupações sobre a legitimidade da participação do Azerbaijão na COP e solicitamos uma posição ética e firme do governo brasileiro, em defesa dos direitos humanos e da justiça climática.
A realidade é que o Azerbaijão – república ex-soviética localizada no Cáucaso, às margens do rico e ameaçado Mar Cáspio – mantém uma economia amplamente dependente de combustíveis fósseis, com petróleo e gás natural representando aproximadamente 90% de suas receitas. Essa dependência é contrária aos compromissos ambientais da COP, sugerindo que, ao sediar o evento, o Azerbaijão busca, na verdade, reconhecimento internacional para encobrir práticas que causam danos ao meio ambiente. Trata-se, a nosso ver, de um exemplo claro de greenwashing, que ameaça a credibilidade da conferência como um espaço para a defesa de princípios sustentáveis e éticos.
Um grande exemplo disso foi o flagra do diretor executivo da COP29 no Azerbaijão, Elnur Soltanov, em uma conversa sobre "oportunidades de investimento" na empresa estatal de petróleo e gás com um homem que se apresentava como potencial investidor.
Devido a esse contexto desastroso, a renomada ativista climática Greta Thunberg anunciou boicote ao evento, alegando acreditar ser chocante que um estado autoritário e dependente de petróleo como o Azerbaijão tenha sido autorizado a sediar um evento climático global como a COP. Ainda citou que a decisão não afeta apenas o clima, mas também é um insulto àqueles que sofrem com abusos ambientais e de direitos humanos, citando, inclusive, o tratamento de armênios de Nagorno-Karabakh. E ela não é a única: outros grandes ativistas climáticos também estão na lista dos que não compareceram à conferência, como a principal autoridade da União Europeia, Ursula von der Leyen.
Nossas preocupações, porém, vão além do âmbito ambiental. O Azerbaijão é amplamente conhecido por práticas autoritárias e violações de direitos humanos, incluindo uma operação de limpeza étnica realizada em 2023, que resultou no deslocamento forçado de aproximadamente 120 mil armênios da região de Nagorno-Karabakh, historicamente ocupada por armênios, mas que foi cedida ao Azerbaijão Soviético em uma decisão autoritária de Josef Stalin. Muitos desses armênios de Nagorno-Karabakh – ou Artsakh, como os armênios chamam a região – lutaram pelo seu direito de autodeterminação e de sobreviverem em suas terras ancestrais e, por isso, foram presos pelo governo autocrata de Ilham Aliyev, e permanecem encarcerados no Azerbaijão, sem acesso a um julgamento justo.
Esse histórico de violações por parte do Azerbaijão fere os princípios fundamentais de justiça e dignidade que a COP deveria promover, e evidencia a necessidade de uma resposta internacional forte e assertiva. Em suma, não só o governo de Baku usa da COP 29 para limpar a sua imagem de país explorador de hidrocarbonetos, como também tenta posicionar o Azerbaijão como um Estado normal e funcional, quando, na realidade, constitui-se em uma república capturada por oligarquias que cala opositores, silencia jornalistas e reprime a minoria armênia que agora encontra-se impossibilitada de retornar às suas terras originais, enquanto assistem, incrédulos, a destruição de seus bens, propriedades e patrimônio cultural. Por isso, instamos o governo brasileiro a adotar uma posição coerente e de liderança durante a COP 29.
Como nação influente no cenário global, sede da Conferência das Partes em 2025 e lar para dezenas de milhares de armênios e descendentes, o Brasil deve demonstrar seu compromisso com a justiça climática e com os direitos humanos, pressionando por soluções concretas e pela libertação dos prisioneiros armênios detidos injustamente. É hora de reafirmar os valores de nossa política externa, para que a COP não se torne uma plataforma para governos autoritários, na qual o Brasil não deve aquiescer, normalizando abusos de direitos humanos e ambientais.
A situação é muito grave. Esperamos que o Brasil aja de forma assertiva e ética, reforçando a defesa da sustentabilidade e dos direitos humanos, valores centrais da COP, e demonstrando um alinhamento sólido com os princípios de justiça e dignidade que a conferência deve representar.
*Presidente da UGAB Brasil (União Geral Armênia de Beneficência), maior organização mundial armênia sem fins lucrativos