Yuri Rugai Marinho — Advogado, mestre em direito ambiental, membro da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action, sócio-diretor da ECCON Soluções Ambientais; Marina Monné de Oliveira — Mestre em direito ambiental e urbanístico e coordenadora de carbono da ECCON Soluções Ambientais
As questões relacionadas ao clima e à biodiversidade têm caminhado de forma pouco conectadas nestes últimos 30 anos, após a assinatura conjunta de países de tratados internacionais, no Rio de Janeiro, em 1992. Mas o cenário parece estar mudando, em vista do que se observou este ano na 16ª Conferência das Partes da Convenção de Diversidade Biológica, a COP16, na Colômbia.
Em Cali, delegações e especialistas em questões climáticas contribuíram com discussões sobre biodiversidade, ante a expectativa de criação de um mercado de créditos de biodiversidade e de avanços com ferramentas de financiamento. No tema do clima, os créditos de carbono e o financiamento são frentes que já evoluíram, respectivamente, a partir da COP3, com o Protocolo de Kyoto, e da COP21, com o Acordo de Paris.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas tem encontros mais frequentes — as COPs anuais — e conseguiu emplacar mundialmente, no início dos anos 2000, um mercado de carbono composto por sistemas regulados (o mais famoso é o mercado europeu) e sistemas voluntários (é o caso do Brasil). Neste mês, é a vez da COP29, do clima, em Baku, no Azerbaijão — e muitas delegações e especialistas do clima resolveram antecipar a discussão para a biodiversidade.
Os créditos de carbono se mostraram um importante instrumento econômico utilizado pela comunidade internacional para acelerar o alcance dos resultados climáticos desejados e estabelecidos nos tratados internacionais. Da mesma forma, os créditos de biodiversidade podem ser reconhecidos como unidades mensuráveis e rastreáveis que podem ser negociados e comercializados por instituições públicas e privadas para o alcance das metas traçadas.
Enquanto os créditos de carbono se baseiam na remoção ou redução de emissões de gases de efeito estufa, os créditos de biodiversidade estão voltados à conservação da diversidade biológica. A discussão sobre créditos de biodiversidade ganhou força após a COP15, que ocorreu em 2022 na cidade de Montreal (Canadá) e terminou com um acordo histórico para a tomada de ações concretas. A discussão sobre financiamento foi aquecida em Cali e será o principal tema da COP em Baku, no que diz respeito ao financiamento climático.
Para a biodiversidade, um dos assuntos mais esperados para discussão na COP16 era como alcançar US$ 200 bilhões por ano para que se cumpram as metas de conservação e preservação até 2030, estabelecidas pelo Marco Global da Biodiversidade, firmado na COP15 de Montreal. Para o clima, o valor atual aprovado de financiamento é de US$ 100 bilhões por ano, e espera-se que, em Baku, esse valor seja aumentado significativamente, assim como o debate em torno de uma maior transparência na demonstração do atingimento do montante pelos países desenvolvidos. O financiamento climático é essencial para a continuidade da jornada dos países na redução e remoção de emissões de gás de efeito estufa (GEE).
No Brasil, iniciativas no mercado de carbono se concretizam em projetos de carbono ligados a diversos setores, em especial à redução do desmatamento e à restauração. O investimento nessas iniciativas e em outras, como projetos públicos de conservação e políticas públicas de incentivo à conservação e restauração, implica em inegáveis benefícios à biodiversidade brasileira.
Clima e biodiversidade têm uma relação profunda: se a biodiversidade é prejudicada, os ciclos naturais são diretamente afetados (chuvas, nutrição do solo, ciclo de vida da fauna e flora, funcionamento das cadeias alimentares etc.), o que implica em reflexos climáticos (menos capacidade de resfriamento no microclima, de retenção de carbono etc.).
O aquecimento global em altos níveis é igualmente prejudicial à biodiversidade, pois compromete a dinâmica biológica de algumas espécies, afeta negativamente habitats, altera a disponibilidade de alimento, água e nutrientes essenciais à fauna e flora. Tudo isso tem alto potencial de reduzir a diversidade biológica da qual a humanidade depende para a produção de alimentos e medicamentos, por exemplo.
A aproximação das agendas de clima e biodiversidade é bastante saudável e necessária. A COP28, ocorrida em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi a maior COP climática de todos os tempos, com cerca de 80 mil pessoas. Já a COP16, de Cali, foi a maior COP de biodiversidade, com aproximadamente 20 mil pessoas.
Em questões climáticas, os impactos negativos são de fácil identificação e estão ocorrendo em todo o planeta, a exemplo da seca na Amazônia, fogos no Pantanal, alagamentos no Rio Grande do Sul e na Espanha, citando apenas casos conhecidos do ano de 2024, que ganharam contornos de tragédia.
No universo da biodiversidade, os impactos negativos não mais sutis aos nossos olhos, embora sejam igualmente perigosos à nossa existência. Talvez, o mais compreensível seja o risco de ficarmos sem alimento ou recursos medicinais suficientes. As duas agendas precisam convergir, e os países têm que avançar nas negociações e na busca por soluções.